One Page III - Isis Ferraz

One Page III

Uma Morning Page Para Ariana

“Era uma vez, uma garotinha que nasceu de um conto de fadas.

Com toda certeza era um conto de fadas, nasceu de um pai combatente e de uma mãe fada, a mulher mais linda do mundo, que se curvava à natureza e que amava aquela garotinha incondicionalmente. É engraçado voltar para as minhas primeiras lembranças, eu geralmente reluto em revisitá-las e acho que o motivo é que, de alguma forma, eu me afastei tanto daquela vida que essas memórias nem sequer parecem genuínas; é como se estivessem comigo, mas pertencessem a outra pessoa, aquela menininha, nascida em um conto de fadas.

Por um belo tempo, foi apenas minha mãe e eu, de maneira literal. Meu pai trabalhava na cidade a semana inteira e por cinco anos inteiros, foi apenas eu e aquela fada, que me deixava correr na chuva, brincar na lama, que assava bolos só porque eu amava e trançava os meus cabelos sempre que eu ficava triste, aquele tipo de tristeza infantil, em que não se consegue exatamente explicar o motivo. Ela nunca gritou comigo, nunca perdeu a paciência, sempre analisava minunciosamente antes de decretar que era apenas manha, que nada se passava, e quando Diana nasceu (e Diana pode ser extremamente manhosa até hoje), eu pude me dar conta da mãe maravilhosa que nós duas tínhamos.

Eu posso ter me afastado perigosamente dessa garotinha, mas eu sei que é ela que vai me guiar para a mãe que eu quero ser.

Não foi planejado, mas, ao mesmo tempo, eu acho que parte minha até planejou, sim, não me permitiu que eu me envolvesse a fundo com nenhum dos namorados do tipo combatente que tive, porque meu destino, na verdade, era cruzar com uma namorada fada que mudaria todas as coisas. É muito errado ver tanto da minha mãe na minha esposa? Às vezes, eu me pego pensando nisso, mas também é totalmente inevitável que assim seja, uma vez que elas são muito parecidas. Na calma, na paciência, no esforço para compreender o que há de errado, para abranger o outro, no amor distribuído. Eu me casei com uma fada e esta fada agora, espera um bebezinho nosso...

Eu ainda acordo diariamente e choro de felicidade ao lembrar disso, ela está grávida! O amor da minha vida, a minha fada escaladora que venceu muros mais altos que os de Harrenhal, apenas para me conhecer, apenas para ver se eu permitia que ela ficasse perto e depois que ela já estava dentro das muralhas, não houve mais o que eu pudesse fazer a não ser amá-la, com tudo o que eu nem sabia que existia em mim. Deixar Ariana entrar nas minhas muralhas foi a coisa mais difícil que consegui fazer, mas algo dentro de mim gritava para deixar, para me permitir e eu acho até hoje que ela entrou por uma fresta que aquela garotinha, filha de fada, deixou em mim. Aquela garotinha amaria uma fada em seu futuro, mas, por outro lado, tinha certeza de que isso era algo que seu pai combatente jamais aceitaria. E sendo assim, ela apenas se fechou, se tornou mais combate do que fada, cuidou de afastar tudo e qualquer coisa que pudesse remeter àquela vontade secreta, que ela teve certeza de que era algo de fato, quando se apaixonou por uma vizinha aos doze anos.

Não, ela não quebrou o meu coração, eu mesma fiz isso. E achei que estava quebrado para sempre até Ariana aparecer. Meu amor, eu era apenas um pedaço sem uma enorme parte que faltava antes de você, era apenas metade de mim, e uma metade ruim, que não se permitia sentir as coisas, que não se permitia estar vulnerável nos braços de alguém, que não permitia ser protegida e eu sei que ainda há muitos resquícios desta de mim aqui, mas sei também que cada dia que passo ao seu lado, mais e mais dos estilhaços da Isis combatente vão sendo varrido para fora.

Eu não quero ser uma mãe combativa para o nosso bebê. Eu quero ser como você, ou como a minha mãe, quero ser calma e compreensiva, quero saber entender o que é uma manha e como cuidar dela, manhas também se curam com amor (às vezes não são curadas de qualquer forma, vide Diana), mas eu quero ser este tipo. Nada de ser a mãe boa demais que todas devemos evitar ser, mas quero ser uma boa mãe, que educa, mas segura seu bebê no colo quando ele estiver precisando de um abraço. E eu sei que vou conseguir isso, sei por que a mulher que está do meu lado nunca permitirá que eu seja menos.

Conheci uma fada patinadora uma vez e, por sorte, ela soube escalar as muralhas de Isis Ferraz. E desde então, eu nunca mais fui a mesma e sei que serei ainda mais diferente quando tiver outro serzinho feérico correndo pela sala...

Isis Ferraz”

Isis assinou suas morning pages daquela manhã, ainda estava de roupão, tinha saído da cama há pouco e seguia uma nova rotina matinal desde quando Ariana engravidou. Sentiu que precisava mudar, por si mesma, por elas duas, precisava estar mais presente, mais viva ao lado da mulher que amava e escrever morning pages acabou se tornando o exercício perfeito. Então, diariamente acordava mais cedo do que costumava, passava um belo café, abria a janela, deixava o som entrar e escrevia, ao menos, três morning pages, sem pensar muito, apenas deixando os pensamentos fluírem e, quase que invariavelmente. Ariana acordava quando Isis assinava sua última página.

Acordou, linda, com aqueles cabelos que andavam super-longos, mais claros para as pontas, mais cabelo de surfista do que nunca, toda hidratada, pele, cabelos, olhos, os olhos andavam hidratados também, pelo tanto que brilhavam. Veio e, sentou-se no colo de Isis, beijando, agarrando, cheirando aquela mulher por quem seguia tão, mas tão louca.

— Bom dia, meu amor.

— Bom dia, minha linda, bom dia, meu bebê — Beijou a barriga dela, que não tinha sinal de bebê ainda, mas que Isis sabia, ele estava ali e podia ouvi-la — Você dormiu bem?

— Muito bem, sonhei com a gente lá na Tailândia.

— Nossa lua de mel.

— Eu amo tanto aquelas lembranças.

— Eu também amo. Tenho tentado organizar as minhas memórias, estava escrevendo sobre isso agora mesmo.

— A pequena Isis com a mãe fada no alto de uma montanha em Alto Paraíso?

— Essas mesmas — Beijou o pescoço de Ariana com carinho — Vou para o banho e você pode ler se quiser. Ah, pedi o nosso café.

— Pediu?

— Um café da manhã tailandês, eu encomendei ontem, queria te fazer uma surpresa.

— Mas... — Ariana abriu um sorriso, como?

— Conexão, meu amor. A nossa conexão que não falha nunca — Iris a beijou e, se colocou de pé — Desculpa, linda, mas eu não posso me atrasar.

— Eu sei — Outro sorriso hidratado de Ariana — Vai lá, meu amor.

Isis correu para o banho e Ariana chorou por aquela morning page inteira. A letra delicada de Isis, a verdade naquelas palavras, o quanto aquela moça havia lutado para estar onde estava, para ser quem era e o quanto seguia lutando para ser ainda melhor. Era por isso que a amava tanto, era por isso que nenhum castelo parecia alto demais se fosse Isis quem estivesse esperando-a lá dentro. Correu para o banheiro e se enfiou no banho com ela.

— Meu amor!

— Eu vou te atrasar um pouco, mas só um pouco, tá? — Disse, pegando Isis pela cintura, beijando o pescoço dela delicadamente.

— Só um pouquinho?

— Um pouquinho só — Olhou naqueles olhos castanhos que tanto amava — Eu amo você!

Isis escorregou os dedos pelo rosto dela.

— Eu sei. Foi assim que você me salvou. Eu amo você também!

E Isis nunca mais estaria isolada entre muralhas outra vez.

Notas da Autora: Tessa Reis

Muita gente aí com saudades de Isis e Ariana?

Grande beijo! 💋