
Cicatriz
Nova York, ontem, em comparação com Melbourne.
Estava muito frio. Devia ter amanhecido a manhã mais fria de todas, frio demais para uma colombiana que tinha nascido em Medellín e sido adolescente na Califórnia. Sendo assim, estava toda coberta, de casaco dentro de casa. As janelas descortinadas mostravam as nuvens carregadas do lado de fora, e a criança insistia que, se abrissem a janela, poderia puxar uma nuvem para dentro!
— Criança, é impossível! — Zoe tentava explicar enquanto tomavam café da manhã na mesa da cozinha. Tini estava toda cobertinha também, e Saki Kato estava achando uma graça as duas esquimós na sua cozinha.
— Dá sim! É só abrir, a gente nunca abre. Por que existe uma janela que nunca abre?
Saki veio para perto e beijou a testa dela, um pacotinho!
— A senhorita quer puxar nuvens para dentro da nossa cozinha! Como eu posso permitir?
— Mas ia ser divertido! É fofinho, deve ser fofinho.
Outro sorriso trocado entre Zoe e Saki, que se sentou com elas.
— Reira é fascinada por nuvens até hoje, por isso, ela só tem penthouses. Zoe, ela conseguiu dormir?
— Conseguiu, mas acho que ela se desacostumou a isso. A... descansar, sabe? Eu entendo, pois também sou assim. Também tenho essa dificuldade de desacelerar e este ano foi... — Respirou fundo só de lembrar — Muito intenso, passou que nem percebi.
— Vocês foram morar juntas, a rotina mudou, você se tornou manager em tempo integral e ela está cada vez mais artista e menos executiva. Acho que isso anda a deixando agitada também. Ela quer ter mais controle das coisas, mas não há tempo.
— Tini... — Zoe a pegou no colo, ela estava agitada com as nuvens — Seu leite, vamos, vai esfriar.
— Colocou o copinho na mão dela, os olhos nas nuvens o tempo todo — Saki, às vezes acho que não estou vendo tudo.
— Que não está...?
— Que há coisas na Reira que não consigo ver. Às vezes, sinto que ela está estressada com situações que ela não permite que eu veja.
Saki sabia exatamente do que ela estava falando.
— Zoe, é que só quando vocês começaram a namorar de verdade que a Reira começou a se abrir. Mas ela estava fechada há muito tempo, não dá mesmo para ver tudo só de uma vez. Ela está na terapia, não está? E tem melhorado muito, não?
— Sim, também estou na terapia. Acho que nós duas temos a mesma dificuldade em dizer as coisas. Estou trabalhando nisso e melhorando... em leitura. Em aprender a ler o que há por ela ao invés de apenas esperar que ela me diga tudo.
Saki a olhou, tocou a mão de Zoe com carinho.
— Você fez muito bem em trazê-la pra cá, em interromper a agenda e trazer a Reira pra casa. Ela continua te perguntando todas as noites se vocês vão mesmo se casar ou...?
Zoe riu.
— TODA NOITE.
— Eu juro pra você que ela não esperava que fosse levar mais de um ano até esse casamento — Saki estava sorrindo também.
— Como a gente iria conseguir se casar neste ano? Álbum lançado, o da La Sabre e da Emília também — La Sabre tinha lançado “Estilazo Sessions” e Emília tinha lançado “Manzana” e as duas, de repente, estavam concorrendo uma contra a outra pelas primeiras posições do Spotify na América Latina — Lançamos as espanholas e o grupo das japonesas, e qual a probabilidade de todos esses projetos darem tão certo? A gente lançou junto para descobrir qual daria mais certo e todos deram certo, e isso causou este ótimo problema pra gente que é, estamos soterrando de oportunidades. A Barbie tem uma preocupação, principalmente com a Reira, que sei que é válida e real, mas...
— Que todos os números grandiosos que La Sabre alcançou com o álbum, ela possa perder por não conseguir alimentar essa audiência.
— Essa preocupação. Mas assim, se ela tiver que perder porque precisou desse tempo, que perca. A gente começa de novo. A Reira sempre usou La Sabre como um escape, não quero que esse projeto comece a ter efeito contrário sobre ela.
— Zoe?
— Diga.
— Você devia cuidar da administração da Los Ángeles em cem por cento. Assumir como CEO.
— Ah, não, isso tem que ser alguém com um sobrenome old money, tipo, Kato, os antigos Kato de Shibuya — Disse, sabendo que faria sua sogra rir.
— Vai recusar o sobrenome da sua noiva quando se casarem, por acaso?
— Ela se separa de mim se recusar o sobrenome dela! — Sorriso, e Tini tinha descido do colo para ir para frente da árvore de Natal terminar seu leite. Reira tinha trazido um trenzinho natalino de Tóquio, que dava voltas na árvore inteira, de cima a baixo. Tini vivia colocando para funcionar. Seria Natal em alguns dias e, quando tudo ficou muito pesado para Reira, Zoe apenas decidiu que iriam passar o final de ano em Nova York, onde esta data era sempre mágica. A agenda que aguardasse, a saúde de sua noiva era mais importante — Acho que temos como equilibrar tudo. A gente tinha equilibrado antes dos álbuns estourarem, conseguiremos novamente.
E então, Reira apareceu. De moletom, camiseta, chinelinho e óculos de grau, uma graça.
— Como...? Vocês não sentem frio mesmo?
— Aqui é a nossa cidade, guapa — Ela abriu um sorriso, deixou um beijinho em Tini e veio para perto de Zoe, deixou um beijo em sua noiva também — E é bem frio em Tóquio, os invernos são rigorosos. Mãe, onde está o seu celular?
— O meu celular? No quarto, eu acho. Por quê?
— Recebi uma ligação de Melbourne — Reira estava preocupada. Evidentemente preocupada, estava no rosto dela — Sora sofreu um acidente.
— Sora, a sua prima? — Zoe perguntou.
— É, ela mesma.
— Mas ela está grávida, não está?
— Está, entrou em trabalho de parto e... — Respirou fundo — Acho que você precisa ligar para Tóquio, mãe, para entender melhor o que está acontecendo. Tentei falar com o Gael, mas ele está muito nervoso e a Bryce não me atendeu mais.
— Espera, vou ligar para Tóquio — Saki saiu da mesa imediatamente.
— Bryce...? — Aquele nome não era estranho para Zoe.
— É, ela... é uma amiga. Zoe, eu estou sentindo... não sei, uma coisa estranha, ruim. Sei que estou sentindo meio assim o mês inteiro, é por conta da ansiedade, não é?
— Pode ser, mas Sora é sua prima, está grávida, vocês trabalham juntas, claro que está preocupada com isso, wifey. Espera, vou pegar algo para você comer, senta ali com a Tini, vamos.
Reira foi se sentar com Tini, a colocou entre as suas pernas, a abraçando, olhando o trenzinho dando voltas pela árvore inteira junto com ela. Ligou as luzes de Natal também, o dia estava nublado, dava para ver as luzes piscando dentro de casa quase como se fosse noite. Deu uma olhadinha pelo corredor, Saki estava ao celular e estava nervosa, claramente nervosa. E Zoe veio se sentar com suas garotas, com um café bem quente e waffles com bastante doce de leite, do jeito que Reira gostava.
— Come um pouco, amor.
— Obrigada, guapa. Zoe, ela está grávida, você acha que...? — Os olhos abalados, a voz ansiosa, ela estava assustada mesmo.
Zoe foi para trás dela, grudar em sua Reira do mesmo jeito que ela estava grudadinha em Tini.
— Sora é forte e o acidente não deve ter sido tão grave. Sua amiga falou da gravidade?
— Não disse, mas acho que ela não estava querendo me assustar. Disse que liga quando tiver mais informações. Mas estou com esse sentimento estranho, meio... sufocante.
Zoe deixou um beijinho no ombro dela, carinhosamente.
— Eu estou aqui com você, está bem? Nós estamos.
Reira respirou muito fundo.
— Nós abandonamos as espanholas, Zoe... — Disse inesperadamente, fazendo Zoe rir um pouco.
— Não abandonamos, não, Barbie está com elas, vai cuidar das suas espanholas por enquanto.
— E quem vai cuidar de mim? Quero dizer, da La Sabre?
— Como quem? Eu!
— E quem vai cuidar da Emília?
Zoe riu mais.
— Coma o seu waffle, vamos! Juli está com ela, acompanhando tudo mais de perto.
— E as japonesas da Sora?
— Reira, não... empilhe problemas. Sora ia ter o bebê em breve, de qualquer forma, você estava pensando numa solução que eu sei. Mas por hora, vamos focar nela, no que vai acontecer nas próximas horas. Ela é casada, não é?
Os olhos de Reira se encheram.
— Sim.
— Então, ela não está sozinha. Coma o seu waffle, beba o café para aquecer, você está gelada. Tini, cadê seu piano? Não quer tocar?
— Quero, quero, quero!
Ela saiu correndo atrás do piano infantil, arrastou para perto da árvore. Era um mini piano que funcionava perfeitamente, e Tini estava aprendendo a tocar. Com quatro anos completos agora, não havia dúvidas de que tinham uma futura artista dentro de casa.
— Você quer ouvir... — Ela correu os dedinhos pelas teclas e começou a cantar — Don't cry, snowman, not in front of me, who'll catch your tears if you can't catch me, darling? If you can't catch me, darling… — E Reira sorriu imediatamente, porque era a coisa mais linda do mundo! Como podia? Ela estava mesmo aprendendo a tocar — Você tem que fazer a sua parte, Reira! — Ela disse, fazendo Reira e Zoe rirem demais.
— Oh, é verdade! — Reira se esticou, assumindo um lado das teclas no piano, endossando as notas que ela não sabia tocar ainda — Assim?
— Essa é a sua parte! — E ela voltou a cantar, aquela vozinha linda — Don't cry, snowman, don't leave me this way, a puddle of water can't hold me close, baby… Can't hold me close, baby...
Tini distraiu Reira enquanto ela tocava com uma das mãos e tomava seu café com a outra, cantando Snowman com ela, mas a atenção de Zoe estava toda em Saki, que nunca mais tinha desligado aquele celular. E quando desligou, veio apreensiva para a sala, andou de um lado a outro, deu informações reduzidas. Tinha isso também. Reira era fechada? Era, mas era uma mulher adulta, madura, inteligente, que conseguia dar conta de si mesma e de Zoe, de Tini. Dava conta, inclusive, de uma poderosa multinacional, mas os pais ainda a tratavam como criança de vez em quando. Sabia que Saki tinha mais informações sobre Sora e que não deveria ser algo bom, mas evitou dizer para Reira. Então, depois do piano e do café da manhã, após um pouco de filme de Natal na sala de Saki Kato, Reira foi para o banho e reapareceu na sala de roupão:
— Guapa, vamos sair?
— Para onde você quer ir, wifey?
— Tem um mercado de Natal que não fica muito longe, acho que a Tini vai gostar, podemos almoçar por lá e...
E chegou uma informação que não dava para ser mascarada. Ou dita de outra forma. Sora não tinha resistido, o acidente havia sido muito grave de fato, o bebê sobreviveu, mas ela não, e Reira desmoronou como Zoe nunca havia visto. Nem quando ela tinha sido violentamente assaltada em Bogotá. Ela e Sora eram próximas, mas não tanto, eram mais parceiras de trabalho do que primas em si. Os Kato eram frios, eram distantes uns dos outros, mas Reira nunca tinha perdido ninguém, e Zoe sabia o quanto enfrentar algo assim podia ser complicado quando não se tem uma experiência prévia.
Tinha achado que iria morrer quando perdeu a sua mãe e pensou mesmo que não suportaria quando perdeu Cali, sua melhor amiga, de maneira tão repentina em um acidente de avião. Era calejada com perdas, porém sabia que só tinha se mantido de pé na última pancada porque Cali lhe deixou Tini.
Uma criança obriga qualquer um a se manter de pé, não importa o tamanho da pancada.
Perder alguém próximo deixa uma cicatriz: a dura cicatriz de que a vida é mesmo finita, de que nada dura para sempre. O tempo é efêmero; e as únicas coisas que atravessam o tempo já estão mortas. Saki não chorou. Não era da sua cultura chorar, mas Reira chorou, um choro silencioso, represado. Como podiam exigir que ela falasse o que sentia quando tinha sido criada para não demonstrar? Ela pediu um tempo, foi tomar outro banho, e Zoe sabia que ela só tinha entrado no banheiro para chorar escondido. Ligou para Juli, ela e Barbie também estavam em Nova York para o Natal, mas tinham preferido pegar um hotel só para elas. Iriam embarcar para Madrid depois das festas, para cuidar dos contratos europeus mais de perto. Podiam buscar Tini? Podiam, claro que podiam, e Juli chegou antes de Reira sair do banho.
— Ela era jovem, a prima?
— Trinta anos. Acho que vocês se conheceram, por videoconferência, fizemos algumas reuniões com ela esse ano; ela estava cuidando do grupo de Tóquio.
— Ah, lembrei. Linda, jovem e afiada, da filial de Melbourne.
— Essa mesma.
— Caramba, Zoe, essas coisas quando são repentinas assim... Bem, você sabe disso tanto quanto eu, dá uma ferida daquelas. Escuta, se vocês precisarem de qualquer coisa, você sabe, não é? — Juli a abraçou e Zoe correspondeu, firmemente.
— Eu sei.
Quando Zoe voltou para o quarto, Reira estava tendo uma crise de choro. Com a mãe, que estava perto dela, mas ainda assim mantinha alguma distância. Reira estava na cama, joelhos abraçados contra o abdômen, rosto escondido entre os joelhos, e Saki estava sentada à frente dela, falando com ela. A mão suavemente tocando a filha no calcanhar, mas nada além disso.
— Não posso sair de Nova York agora, estou no meio de uma exposição importante aqui, mas acho que você precisa ir, Reira. Não só por causa da Sora, mas também porque a sua irmã vai precisar de você.
Zoe apertou a expressão imediatamente. Irmã? Como assim, irmã?! Do que Saki estava...?
— Mãe...
— Você conhece a nossa família e o bebê nasceu. Ela precisa de você, vão comer a garota viva sem a gente lá.
Mas do que exatamente elas estavam falando? Que assunto era aquele? E deve ter ficado pelo rosto de Zoe, porque quando Saki a encontrou com os olhos na porta do quarto...
Ela não disse nada. Mas o olhar foi eloquente. Era um: por favor, agora não. Reira olhou para onde a mãe estava olhando e ficou imediatamente nervosa, tanto que deu para notar.
— Zoe...
Zoe olhava para Saki e, então, olhou para Reira e...
Só veio para a cama com ela. Depois, qualquer outra coisa podia ficar para depois, para agora, sua noiva precisava do seu colo.
— Vem aqui, baby, respira um pouco — Esticou os braços e sua wifey veio para o seu colo imediatamente.
Reira se agarrou em Zoe e só deixou o choro vir, copiosamente, sem poder controlar. Zoe a apertou contra o peito, cheirando os cabelos dela, mantendo-a em segurança, tentando acalmá-la, e Saki saiu da cama.
— Zoe? — Saki a chamou.
— Oi...
— Reira precisa ir para Melbourne.
Zoe respirou muito fundo.
— Ela vai me dizer se precisa ir ou não. Você... Você pode nos dar uns minutos?
— Claro, vou fazer umas ligações.
Zoe não disse nada por um tempo. Apenas deixou que Reira chorasse, deixou que ela sentisse tudo o que precisava sentir, sem cobranças, sem causar mais ansiedades do que aquelas que já estavam a mordendo por dentro. Era muita coisa, o ano tinha sido pesado demais, de coisas ótimas e outras nem tanto, e agora assim, subitamente, uma perda inesperada tão perto do Natal. Reira nunca tinha perdido ninguém que fosse tão próximo e não estava no seu melhor estado mental. Zoe a tirou de Bogotá para que ela respirasse um pouco e agora...
— Guapa?
— Oi, meu amor.
— Você ainda vai querer se casar comigo?
Zoe sorriu, beijando a testa dela com carinho.
— Claro que sim, wifey.
— Promete? — Ela seguia chorando, baixinho, como quem não quer incomodar.
— Prometo. Sexy, fala aqui pra mim, você quer ir para Melbourne?
— Eu acho que... preciso.
— Ok. Quer me esclarecer mais alguma coisa agora? Pode ser depois também. Quer que eu vá com você ou prefere ir sozinha?
— Claro que quero que você vá comigo. Eu só não sei se a Tini suporta um voo tão longo ou...
— Barbie e Juli estão com ela.
— Eu prometi um Natal bonito para ela, Zoe.
— Ela terá, nós podemos garantir isso.
Silêncio.
— Eu posso esclarecer depois mesmo ou...?
Zoe a beijou, carinhosamente.
— Pode sim. Meu amor, por que você não dorme um pouco? Acha que consegue? Está cansada, não está?
Estava. Se fechassem as cortinas, talvez pudesse dormir um pouco, sim. Zoe providenciou um chá para acalmá-la, um comprimido para dor de cabeça, fechou as cortinas e a deixou sozinha. Seria muito bom se ela dormisse um pouco. O sono era importante para Reira; quando algo estava muito ruim, ela dormia e, geralmente, acordava melhor. Saiu do quarto, pegou o MacBook e veio para o balcão da cozinha. E Saki veio para perto. O dia seguia muito nublado em Nova York.
— Ela vai dormir?
— Acho que sim, está muito cansada, chorou demais. Nós vamos para a Austrália.
— James também irá, acabei de falar com ele.
Zoe parou, os olhos fixos no MacBook, e soltou o ar pesadamente.
— Vamos nos casar em dois meses. Não é como se ela tivesse esquecido de me contar que é alérgica a alguma coisa.
— Eu sei, mas Zoe... — Saki respirou muito fundo — Espera, vou fazer um café para nós duas.
Saki fez um café para elas enquanto Zoe conseguia um voo para Melbourne, seriamente, os olhos se movendo pela tela, a mente claramente processando muita coisa ao mesmo tempo.
— Zoe, entendo que esteja chateada, mas é que... — Entregou uma xícara para ela — Esse assunto é o fundo do poço de tudo o que dói na Reira. É uma... cicatriz. Desconfortável. Que ela não consegue se mover sem que machuque, sem que incomode muito.
Imaginava que devia ser este o motivo. Não que justificasse que tenha sido escondido por todo um ano e meio que estava na vida de Reira.
— Qual o nome dela?
— É Nina. Nina Alvarez.
— Ela é mais velha que a Reira?
— Não, ela... Então, o motivo para este assunto ser tão delicado tanto para mim quanto para Reira: Nina e Reira não têm nem um mês de diferença. As duas são... geminianas, do mesmo ano. Uma da entrada do signo e outra da saída. O meu casamento com o Rey acabou quando descobri sobre essa filha, na Costa Rica, que ele cuidava com o mínimo. E quando olhei para ela pela primeira vez... Elas são muito parecidas, Zoe, você tem que ver. Uma latina, outra asiática, mas você olha e sabe que são irmãs. Não é como a Reira e o Cruz que precisa ser dito, para elas você só olha e sabe. Então, elas eram parecidas, mas estavam em realidades completamente diferentes: a Reira tinha quatro anos e tinha tudo; aquela garotinha na Costa Rica tinha quatro anos e tinha muito pouco. Não tinha o pai, principalmente. E aquele casamento deixou de fazer sentido para mim. Nos separamos por causa disso.
— Ele abandonou uma segunda filha.
— É, foi... Foi exatamente isso. Quando o Rey voltou para a vida da Reira, ela tinha onze anos e eu perguntei sobre a Nina. Nada tinha mudado para ela também, mas dava para fazer diferente dali para frente. A Reira sabia da história toda, que tinha uma irmã, e que o pai tinha ido embora por causa dessa irmã. Não foi isso, mas na cabeça dela de criança, era assim, não importa o que eu dissesse. Nós trouxemos a Nina para Nova York quando ela fez quinze anos, para estudar. Ela fez o ensino médio aqui, no mesmo colégio que a Reira, mas não foi uma boa ideia. Eu pretendia que elas se aproximassem, mas a reação foi contrária. A Reira se fechou mais. A Nina aprendeu a se fechar com ela. Elas passaram o último ano sem trocar uma palavra, apenas uma acusando silenciosamente a outra de coisas que só tinha um culpado. Veio a faculdade; por ironia, elas foram aceitas na mesma universidade. Reira em Contabilidade e Finanças, Nina em Belas Artes.
— A Nina... é artista também? O nome dela não me é estranho, já ouvi em algum lugar, tenho certeza.
— Então, desde quando vocês começaram a namorar sério, Reira concordou em fazer terapia, certo? Nina também concordou e parte da terapia delas é fazer algo juntas. Nina é coreógrafa, musicista e especialista em palco; em audiovisual, ela é...
— A coreógrafa da Reira. Acabei de lembrar — Tentou vasculhar o rosto dela nas suas memórias, se deu conta de que Nina sempre estava dançando de máscara facial, mesmo que todas as aulas fossem à distância, e Reira também. Nunca entendeu muito bem o motivo, e agora ficava ainda mais confuso. Seria para esconder emoções? Podia ser isso.
— Isso. Elas têm feito isso juntas. E você foi o catalisador para essa reaproximação, Zoe. Reira realmente quer resolver os problemas para poder ser totalmente honesta com você, é importante para ela. Ela... pediu isso para a Nina. Pediu a reaproximação, e você não faz ideia de como pedir qualquer coisa para a Nina, é complexo para a Reira. Mas ela pediu, porque sabe que é importante. E agora que tudo isso aconteceu, atropelou a tempestividade que tínhamos em mente.
Saki era fria assim. Organizada emocionalmente desta forma. Zoe já havia sido mais ou menos assim também; não era de tanta estranheza, se via muito nela de vez em quando.
— Continuo confusa. Agora, sobre a relação da Nina com o que aconteceu com a Sora...
— Então, elas são casadas.
— Casadas? A irmã da Reira se casou com uma prima dela?
— Casou, faz quase quatro anos.
— E isso não deu problema?
Saki a olhou nos olhos.
— Zoe, os problemas começaram quando eu me casei com o Rey. Deu problema desde então. Deste ponto para frente, só houve problemas. A minha família, eles... são de negócios diferentes. Negócios em bolsas de valores, nada a ver com arte. Eu já era a ovelha negra por ser artista, e daí, me casei com um latino que foi tudo o que eles me disseram que seria. Sora se formou em Negócios, Gael também, são filhos da minha irmã. Mas queriam trabalhar com música. Sora, inclusive, é musicista também, toca instrumentos, compõe, enfim. Eles me pediram para conversar com o James. Gael ficou na filial de Tóquio, trabalhando com produção musical. Sora era talentosa para os negócios, foi para Melbourne, a segunda maior filial. Mais problemas. E agora... Bem, a Nina vai precisar da Reira. Ou será comida viva por eles.
Houve um silêncio. Zoe terminou seu café.
— Passagens compradas. Temos que ir para o aeroporto em cinco horas, foi o melhor que consegui. E imagino que os Kato não irão gostar de mim.
— E eu imagino que você não dará a mínima.
Um pequeno sorriso de Zoe. Foi até Saki e a abraçou. Andavam doutrinando as Kato com abraços, tanto Tini quanto Zoe.
— Sinto muito por tudo isso. Pela sua história e pela Sora. Você precisa de alguma coisa? Tem algo que eu possa fazer por você?
Sentiu os braços dela lhe apertando um pouquinho.
— Você pode pedir para que as meninas fiquem aqui, com a Tini? Acha que elas ficariam desconfortáveis?
— Claro que não, elas vêm sim. Você não tem que ficar sozinha aqui.
— Eu agradeço, Zoe.
— Não por isso. Ok, vou adiantar as malas.
Muitas coisas delas ainda estavam no closet de Tini, em outro quarto de hóspedes. Não fazia nem cinco dias que haviam chegado a Nova York. Zoe fez as malas com o que encontrou ali para deixar Reira dormir o máximo possível. Arrumou a sua mala, a dela, ligou para Barbie, pediu que elas viessem. Podiam ficar no apartamento com Saki? Podiam, claro que sim. Ficariam até o ano virar e então Juli voltaria para Bogotá com Tini, e Barbie iria para a Espanha. Já tinham decidido assim. Bem, Zoe esperava não demorar tanto tempo em Melbourne de qualquer forma. Fechou as malas e Saki apareceu na porta:
— Zoe, você... Você está muito irritada com a Reira ou...?
Abriu um sorriso leve, ela estava preocupada.
— Está tudo bem, entendi a situação.
— Obrigada por isso, de verdade.
Agora, tinha que acordá-la. Foi para o quarto, mas Reira já estava acordada, sentada na cama, estalando os dedos. Era uma mania recente, ela estalava todos os dedos quando estava ansiosa. Inclusive, o metacarpo do dedão. Era esquisito.
— Sexy, você dormiu? — Foi para a cama com ela, abraçando-a com carinho. Ela ainda estava assustada, dava para sentir. Reira a beijou antes de qualquer coisa.
E ela estava... LINDA! Mais gostosa do que nunca. Tinha gravado seu primeiro M/V para "Nothing Tastes Better Than You" e tinha se preparado para ele, dobrado a academia, estava levemente mais definida, com pernas bem torneadas, braços firmes, o abdômen riscadinho, UMA COISA! Os cabelos longuíssimos e super escuros, a pele bronzeada... E o clipe havia ficado... super hot. A priori, iria gravar com uma modelo, mas para surpresa de Zoe, a modelo que Reira tinha em mente era... Zoe Garbiñe. Cenas sem rosto para preservar a sua manager, tudo em preto e branco, gravado nas paradisíacas Islas del Rosário, em Cartagena, uma delícia de M/V. Seria lançado em janeiro. Eram mesmo muitas coisas acontecendo. E agora, a sua gostosa estava toda desprotegida e ansiosa nos seus braços.
— Dormi, mas... eu tinha que ter falado para você sobre... a Nina. Ela... ela me dá aulas de dança.
— Eu sei, a sua mãe me explicou.
— E... — Deu uma olhadinha para Zoe, toda culpada — Não está irritada comigo, por eu ter escondido isso?
Como podia ser uma gostosa e um bebê? Zoe nem sabia. A apertou nos braços de novo, cheirando-a um pouquinho.
— Wifey, só... não vamos pensar nisso agora, hum? Eu pedi almoço pra gente, daquele restaurante italiano que você gosta, e nós temos que estar no aeroporto daqui a pouco.
— E a Tini?
— Sua mãe pediu que ela ficasse com a Juli e a Barbie. Elas estão chegando, vão almoçar com a gente e ficar aqui.
Ela ficou quietinha por um tempo.
— Você quer ir para o banho? Eu preciso de outro banho e de você.
Zoe a beijou, uma e outra vez.
— Vamos para o banho, vem.
Foram para o banho juntas. Reira chorou um pouco mais, Zoe cuidou dela um pouco mais, deixou com que ela chorasse um pouco mais, lavou os cabelos dela e então os secou. A distraiu mostrando um pedacinho da edição de "Nothing Tastes Better Than You" que tinha recebido. Ela sorriu um pouco, estava orgulhosa daquele trabalho. E quando saíram do quarto, já estavam prontas para o aeroporto.
Reira toda de branco, calça, camiseta, cinto, jaqueta, Gucci inteira. Os cabelos penteados para trás, o rosto limpo. E Zoe toda de jeans, Calvin Klein por inteira, os cabelos também soltos e as mãos dadas, os anéis de compromisso em evidência. Reira explicou para Tini o que estava acontecendo, na língua materna dela, o inglês. Ela ainda preferia o inglês, apesar de estar cada vez melhor no espanhol. Ela disse que sentia muito e foi a primeira que perguntou sobre o bebê. Reira olhou para Saki.
— E o bebê?
— É da Nina.
— Mãe, eu não sei se... a Nina estava feliz com essa gravidez.
Saki a olhou como quem não entende. Zoe também não entendeu muito bem.
— Reira, um bebê de um casal sáfico não acontece por acidente — Saki respondeu — Se a Sora engravidou, é porque as duas queriam, não?
A lógica era esta.
Barbie foi deixá-las no aeroporto, com a BMW de Saki Kato.
— Sério que foi ela que pediu pra gente ficar?
— Foi, menina, estou dizendo pra você — Zoe respondeu, conferindo uma lista que tinha feito às pressas, tentando checar se tinha mesmo pegado tudo o que precisariam.
— É que... Que inesperado!
— Ela adora vocês, Barbie — Reira abriu sua mochila, buscando o celular. Agora estava mais calma.
— É que ela adora... meio com distanciamento social, né?
Reira riu um pouquinho.
— Ela é japonesa, dá um desconto.
— Dou! Ela me deixou dirigir este carrão aqui — Deu uma olhadinha para fora — Reira, tem fotógrafos.
Ela olhou para Zoe.
— Coloca a sua máscara, sexy, tarde demais para não querer ser famosa.
Se despediram de Barbie e desceram, Reira atrás de Zoe, de mãos dadas com ela, tentando entrar o mais rápido possível. Era um voo comercial, mas Zoe tinha conseguido primeira classe; queria Reira confortável. E a queria tranquila, mas era palpável o quanto ela estava ansiosa. Entraram no avião, se acomodaram, mais silenciosas as duas. Reira já tinha parado de chorar, mas estava com aquele olharzinho que Zoe conhecia muito bem, de que algo estava doendo.
— Guapa, você sabe se... o Rey...?
— Está indo para Melbourne.
Ela ficou quieta até decolarem. Daí, deu um jeito de grudar em Zoe, de unir os assentos, de ficar agarradinha nela. Seriam quase 23 horas de voo.
— Zoe, você vai me deixar?
Cheirou os cabelos dela.
— Claro que não, wifey.
— Nem quando eu não estiver mais abalada?
Daí, Zoe riu um pouquinho.
— Nem quando você não estiver mais abalada. Reira, você já falou com a sua irmã? Que estamos indo?
— Eu achei que... a minha mãe tivesse falado.
— Quer que eu fale com ela? Ela sabe quem eu sou?
Reira sorriu.
— Claro que ela sabe quem você é. Você... diz que estamos indo?
— Digo, me dá o contato dela.
Reira passou o contato e Zoe escreveu uma mensagem quase técnica, dizendo quem era, que estava com Reira, dando o voo e o horário que chegariam. Ela agradeceu tão tecnicamente quanto, até parecia uma mensagem de Reira, daquelas que ela escreve para quem trabalha com ela. Clicou na foto de perfil e viu que elas eram mesmo parecidas, e foi só nesse momento que Zoe notou que, na verdade, apesar dos olhos da mãe, Reira tinha todos os traços do pai. Era bonita como ele, e Nina também. A foto de perfil dela era de estúdio, provavelmente. Cabelos soltos, longos. Ela estava de terninho preto, Dolce & Gabbana com toda certeza, recostada numa parede e olhando de lado, despretensiosamente. Provavelmente, era vaidosa como Reira. E cara como ela. Teria sido um casamento por interesse? James era rico, com toda certeza era, mas não tanto quanto os Kato. Será que o problema entre elas duas era interesse? Reira sempre disse que sua dificuldade de se relacionar nasceu porque todo mundo queria algo dela; mas quando alguém fala tão amplamente sobre algo, geralmente, há uma causa individual muito bem identificada.
— Reira, como elas se conheceram?
— Sora e Nina?
— Isso.
Ela respirou fundo. Tinha pedido um chá; vieram entregar. Ela tomou um gole antes de responder.
— Elas se conheceram na Los Ángeles. Depois que Nina se formou em Nova York, James a enviou para Melbourne. Ela queria trabalhar com dança, apesar de ser ótima musicista e em audiovisual. Ela... é mais talentosa que eu, nisso de audiovisual, sabe? Ela me sugeriu a máscara de neon quando comecei a tocar. E não queria chegar perto de nenhum instrumento, mas acho que é só para irritar o Rey.
— Você é ótima com produção visual, sexy.
— Ela é mais, preciso admitir — Sorriu fracamente — Sou melhor do que ela em produção musical, em compor, e ela é boa com dança, com produção visual, de palco, enfim. Eu não tenho problemas em admitir isso, meus problemas com a Nina são outros. E, em defesa dela, tenho que deixar claro que foi a Sora que pulou em cima dela assim que a viu. Ela decidiu que queria a Nina e não parou até conseguir.
— Ela... era como você, a Nina?
— Como assim?
— Outra que não fazia a coisa de namorada, ela tem cara de que não fazia.
Reira riu um pouquinho.
— Ela não fazia mesmo. Fazia menos do que eu. Mas a Sora mudou a Nina. Eu acho.
— Como assim, “você acha”?
Reira tomou outro gole de chá.
— Eu não tenho certeza se... Bem, talvez ela tenha mudado mesmo.
Dormiram a maior parte do voo. Zoe estava cansada também, tinham chegado a Nova York recentemente. Estavam saindo de um pico insano de trabalho, tinham muitas horas de sono e descanso atrasadas. Mas quando acordaram para uma refeição, Reira tentou explicar uma situação familiar... diferenciada.
Era como um poço sem fundo.
— Espera, não, Reira, espera bem aí: você está me dizendo que a mulher do seu primo...
— Namorada, eles não chegaram a casar.
— Que seja. Esse primo é irmão da Sora?
— Irmão, isso.
— E a sua irmã...?
— Podia ser só implicância da Sora, não houve nada de concreto.
Zoe ficou quieta.
— Guapa, está pensando em quê?
— Que é isso que dá se casar com quem não faz nem a coisa de namorada direito!
— Zoe...
— Não diga mais nada.
Não disse. Quando Zoe pedia para não dizer, era melhor não dizer. E muitas horas depois, finalmente, pousaram em Melbourne, muito mais quente do que Nova York, com toda certeza. Receberam as malas, as mãos dadas o tempo inteiro e, quando entraram no carro...
Reira deu o endereço de um hotel.
— Hotel? O seu apartamento está com algum problema?
Ela apertou os lábios.
— É que... está ocupado.
— Ocupado? Você colocou para alugar? Você não aluga imóvel nenhum, tem medo de que alguém estranho morra num apartamento seu.
Ela pensou um pouquinho. E se agarrou no braço de Zoe.
— Wifey, você não pode me deixar.
— Reira, o que há com o seu apartamento?
— É que a Bryce está morando lá.
— A Bryce...? — Sua mente estava sobrecarregada de informações, demorou para encontrar todos os dados de que precisava, mas encontrou. Bryce, a amiga que ligou mais cedo — Reira, a ex do seu primo que a Sora achava que estava dormindo com a sua irmã?
— Mas ela não estava e o Gael é um frouxo. E a Nina, uma idiota. Você não conhece a minha família, guapa, é muita pressão e eu não podia deixar a garota por conta própria. Ela tem um pequeno Kato com ela.
Zoe apenas a olhou de lado.
— Amor, é muito complexo! Se não fosse complexo, eu teria explicado antes.
Profunda respirada.
— Mais alguma coisa que eu deva saber, Reira Kato?
— Não, agora acho que não tem mais nada. Você... está muito irritada?
Zoe a olhou. A puxou para perto, deitando a cabeça no ombro dela.
— Fica quietinha um pouco, vamos.
Ficaram quietas até chegarem ao hotel.
Notas da Autora: Tessa Reis
Olá, todo mundo!
Quando comecei a escrever Estilazo, eu já tinha a história em mente, mas em contrapartida, tinha um desafio extra que era escrever uma história em metade dos capítulos que eu estava habituada. Estilazo deveria ter 15 capítulos, acabou tendo 21 e só teve 21 porque acabei cortando algumas coisas, como por exemplo, a profundidade dos problemas familiares da Reira. Então, quando comecei a pensar no próximo livro para o clube, a primeira coisa que me veio em mente foi: e se eu voltasse para Estilazo para ver o que ficou não contado?
Foi quando eu retornei e notei que, no final das contas, o saldo era super positivo porque eu não só tinha o que contar ainda como tinha duas protagonistas ali, prontinhas para existir!
Espero que algumas dúvidas tenham sido respondidas neste capítulo 2! E será que, algumas dúvidas novas surgiram? Me deixem saber aqui nos comentários!
Até o próximo capítulo!
Voltamos 27/05/2024! 😌
Amando toda essa confusão, haha.
Acabei de ler Estilazo e corri aqui para ver meu casal Zoeira novamente.
Tem que ter um: anteriormente em Estilazo…rs
Nossa demorei pra pegar no tranco e lembrar de todo mundo kkk
O casal Zoeira está de volta 😍😍 não sabia que precisava tanto revisitar esse casal até ler esse capitulo. Elas são tão divertidas, trouxeram leveza para o turbilhão que foi o primeiro capitulo. Ansiosa para saber como a historia vai se desenrolar.
A família da Reira é a Fossa das Marianas de problemas, quando a Zoe está conseguindo acompanhar aparece uma outra coisa😅
imagino como deve esta o cerebro da Zoe com toda essa informação, como sera esse encontro das irmãs e a Bryce tadinha no meio disso tudo... como ja dizia a musica dos Titãs "Familia, familia , almoca junto todo dia e nunca perde essa mania" 😂