Como Posso Proteger a Minha Família
Existe um café, pequenino e aconchegante, todo feito de tons claros e suaves, com grandes janelas de vidro, por onde entra muita luz solar. Há um balcão para atendimento, onde uma barista sem nome sempre atende quem cruza pela porta de madeira e vidro. E há muitos livros, muitos mesmo. Há quem diga que a cafeteria é mais biblioteca do que café; e há dias em que a barista concorda com isso. Na fachada, há um nome: Auckland Café. E, na vidraça, uma única frase:
“Os seus olhos estão pintados em cada parede dos meus pensamentos.”
Hum, o café está em Auckland. A barista está no balcão e a única mesa que existe ali está preparada, esperando por alguma cliente. Quem será que passará por aquela porta hoje? Era com este pensamento que a barista ia trabalhar sorrindo todos os dias.
Vraaap. A porta se abriu.
E sim, era sempre alguém atordoado que passava por aquela porta, olhando ao redor, piscando os olhos repetidamente. Ela estava com a respiração ofegante e com uma expressão assustada, confusa. Hum, tinha um pôster gigante na parede, com uma garota linda. Como alguém podia ser bonita daquele jeito? Sorriu, porque a garota no pôster era quase tão bonita quanto a sua esposa! A barista sorriu. O pôster sempre atraía olhares e acalmava quem o via.
— O nome dela é Park Manu, ou Hanni, para os amigos.
Noah seguia olhando.
— E você é amiga dela ou algo assim?
— Hum... pode-se dizer que sim. Ela é minha amiga, sim. Seja bem-vinda ao nosso café! O que você gostaria de beber?
— É, bem, na verdade... — Noah se aproximou do balcão — Eu não sei muito bem como vim parar aqui. Salem é pequena, e eu nunca havia visto este café antes.
— É que aqui não é Salem.
— AQUI NÃO É SALEM?!
— Não é Salem, não — A barista tinha um sorriso relaxado no rosto — Aqui é Auckland.
— MOÇA, NÃO TEM COMO SER AUCKLAND. Onde fica Auckland...?
A barista riu novamente.
— É na Oceania, na Nova Zelândia.
— Moça, eu só saí da minha casa para ir trabalhar! Não tem como eu ter ido parar na Nova Zelândia.
— Na verdade, tem sim — Ela começou a preparar um café — É o que os livros fazem, não é? Você abre um livro em Salem e, de repente, pode estar em Auckland.
— Eu... leio muito pouco. AHHH, ISSO DEVE SER COISA DA TIZU!
— Não é. É coisa... da sua cabeça.
Noah ficou mais confusa.
— Da minha cabeça...?
— Sim. Se você veio parar aqui, é porque tem algo perturbando a sua mente. É só assim que dá para chegar até aqui. Bem, aquela mesa está posta para você. Aqui — A barista colocou uma bandeja em cima do balcão — Um café, um chá especial e esses docinhos. Conhece? É Monteiro-Lopes.
Noah olhou para a bandeja.
— São tão bonitos!
— São bonitos, não é? Bem, você pode se sentar ali. O seu date deve chegar a qualquer momento!
— Moça, eu sou casada, não posso estar em um date!
— Um date de amigas, vamos! A sua mesa está à disposição.
Noah respirou muito fundo. Como que era coisa da sua cabeça? E quem era o seu date secreto? Ahh, que Tay a mataria de qualquer forma! Aquela barista não entendia. Sua esposa podia mesmo matar. Aliás, e se o bisavô também tivesse tido a ideia infeliz de ir a um date, e a bisavó houvesse descoberto? E fora exatamente assim que ele terminou assado feito um javali...?
Bem, não deu tempo de pensar em mais nada, pois uma tempestade torrencial passou pela porta do café.
E ela gritou. E Noah gritou. A barista gritou. Mas foi de gay panic! Foi muito claramente um grito de gay panic quando aquela guerreira medieval passou pela porta da cafeteria.
— O que é isso?! — Ela puxou a espada, e Noah... se espremeu contra a parede, como se pudesse apenas passar por ela e escapar dali — Que tipo de feitiço é esse? Quem o criou?! Destiny! É você brincando com a minha mente?!
— Oh, você tem uma Tizu também! — Foi Noah quem disse.
— Eu tenho o quê?!
— É... uma bruxa particular...?
Ela baixou a espada.
— Na verdade, sim, eu tenho uma feiticeira. Não é exatamente uma bruxa. É só... uma feiticeira, de uma linhagem nobre e bem antiga, com muitos poderes.
— Ah, a minha também é assim! Hum, fantasia muito legal essa sua! Parece até uma armadura de verdade!
— Como assim parece? É uma armadura de verdade! Por que...? — Olhou ao redor um pouco mais — Esse lugar parece tão esquisito. Que tipo de roupas são essas? — Deu mais alguns passos em direção a Noah, que estava, novamente, tentando se desmaterializar via parede. E então, quase morreu do coração porque a mulher esquisita de armadura simplesmente lhe agarrou pelo pescoço.
— NÃO, NÃO, NÃO! Não me mate, eu não posso morrer, tenho a minha família para cuidar.
— O seu cheiro, você tem um cheiro... — E a guerreira a cheirou, MESMO, tipo, realmente a cheirou — Parece... cheiro de lobo!
— Ah, mas eu não tenho culpa, é a minha natureza, moça, pelo amor de Deus!
E a guerreira a soltou. Deu um passo para trás.
— Você é uma loba mesmo?
— SIM, MAS NÃO É CULPA MINHA!
— É uma loba e está implorando pela sua vida assim?
— Eu... sim. É que você parece assustadora pra caramba!
— Eu devo parecer assustadora porque sou uma loba! Lobas são animais selvagens, aprendemos a caçar desde o nascimento. O sangue nos sustenta, então é natural que sejamos temidas!
— Você... é uma loba também?
— Sou — Ela guardou finalmente a espada — Kahede Strowndór, primeira de meu nome, Riesa Lican do Reino de Havra-Híki.
Noah olhou para a barista. Ela lhe fez um sinal: “faça uma reverência”. Daí, fez. Uma meio oriental, meio esquisita, mas fez.
— É... eu sou a Noah.
— Só Noah...?
— É, hum... só Noah.
Kahede pareceu levemente relaxar. Olhou ao redor novamente, viu o pôster.
— É uma deusa?
— É uma modelo — A barista esclareceu, vindo para perto — Fiz um chá, não gostaria de se sentar, Riesa?
Ela pareceu pensar. E se sentou. Noah se sentou também.
— Ótimo! Agora, vocês podem conversar — A barista retornou para o seu balcão.
— Por que o seu cheiro é diferente? — Kahede perguntou.
— O meu... cheiro...?
— Sim, lobos têm um cheiro bem característico, de carne, sangue, coisas vivas que morreram. É como se você nem comesse carne.
— Ah! É que eu não como mesmo.
Kahede a olhou horrorizada.
— Como não come carne? E como sobrevive?
— Eu como vegetais! — Disse, provando dos docinhos — E ovos também. Como todas as coisas, menos carne.
A guerreira seguia chocada.
— Como pode um lobo não comer carne? Que tipo de loba é você? Como você pode ser uma loba se não caça? Caçar é o nosso instinto. Um lobo aprende a caçar desde o nascimento.
— Eu sei, mas... não me sinto bem caçando. Não gosto de ouvir corações desesperados porque estou me aproximando. Isso não incomoda você?
Kahede pensou um pouco. Pegou um dos docinhos também. E seus profundos olhos azuis ficaram surpresos.
— Bom, não é? — Noah sorriu para ela.
— Muito bom! Hum, eu pude ouvir o seu coração quando entrei, estava apavorada mesmo.
— Sim, é... eu fiquei apavorada mesmo. A barista me explicou que, se vim parar aqui, é porque preciso conversar com alguém, alguém que iria chegar, e você chegou. Uma loba como eu.
— Não como você, Noah. Eu... já comi muita carne. E matei para conseguir carne. Ou só matei, porque estava furiosa com algo. Mas, ouvindo você falar agora... Eu tenho uma filha, loba como eu. Mas talvez fosse bom ela ser como você.
— Eu também tenho uma filha!
— Mesmo?
— Sim, ela é linda! É, às vezes, eu tenho medo de não poder proteger a minha família. Acho que... foi isso que me trouxe até aqui. Tenho pensado muito nisso.
Kahede bebeu um pouco do seu chá, pegou mais uns docinhos.
— Tem pessoas querendo assassinar a sua família? — kahede perguntou.
— ASSASSINAR? Não, claro que não!
— E assassinar você?
— NÃO! Espero que não.
— Vocês têm onde morar?
— Sim, é uma cabana bem bonita!
— E vocês moram juntas?
— Bem juntinhas!
— Então, Noah, por que você acha que não pode proteger a sua família? Não há assassinos à espreita, nem usurpadores, vocês têm onde morar, estão juntas e... se amam, não é?
Os olhos de Noah se encheram.
— Eu amo muito aquelas duas.
— É... uma mulher? Você tem uma mulher?
— Tenho — Outro sorriso — E ela é tão incrível que, às vezes, sinto que não sei o que estou fazendo.
— Ela é uma loba também?
— Não, ela... é uma vampira.
— E NUNCA ENVENENOU VOCÊ?!
— Já, mas superamos essa parte. Há antialérgicos que se pode tomar.
— Antialérgicos...? Bem, vamos falar do seu problema. Você é a loba mais esquisita que já conheci na minha vida. E eu sou uma loba bem feroz e bem poderosa, minha magia é bem antiga e já consegui coisas inacreditáveis, mas nada disso me ajudou a proteger a minha família. Tenho gêmeos e uma esposa linda. Vivemos num castelo com um exército. Mas isso não os protege como a minha presença protege. Acho que, sem ameaças físicas, pouco importa se você tem muita ou pouca força. Só importa... como você usa o seu tempo com a sua família. Tempo presente, de corpo e espírito, protege mais do que exércitos e castelos. Todos os sentimentos só crescem e se fortalecem com tempo disponível para regá-los. A chave não é a força; na verdade, a chave é o tempo e a porta, o amor. Se você as ama, no tempo presente, as coisas sempre estarão seguras.
Noah lagrimou.
— Então é só amar e estar presente?
— Acho que sim. E acredite em mim, isso é muito difícil.
Elas teriam conversado um tanto mais, se a barista não tivesse interrompido uns minutos depois.
— É que precisamos ir.
— Você diz, nós duas precisamos ir? — Noah perguntou.
— Não, nós, digo o café e eu. A conversa só dura o tempo de o café acabar e vocês devoraram os biscoitos, o que é ótimo! Espero que tenham tido um ótimo tempo fora do tempo conosco e que voltem sempre que eu tenha alguma ansiedade me consumindo — Ela disse, sorrindo.
— Espera, mas a ansiedade não era minha? — Noah contrapôs.
Mas não houve mais tempo.
Havia um café em Auckland. Mas, de repente, agora ele estava em Bali. E não, nunca se sabia quem mais iria passar por aquela porta.
Notas da Autora: Tessa Reis
Olá, todo mundo!
É oficialmente dezembro, e já começamos a nossa maratona de conteúdos aqui no TR'Clube! Começamos com o primeiro miniconto do projeto “Conversas Inesperadas”, trazendo um date muito necessário: a nossa rainha loba de Nórdika com o nosso cachorro grandão de Dentada. hahaha
Curtiram nosso primeiro conto? Temos mais sete programados para este mês, todos no mesmo formato: uma cidade diferente, com referências diferentes e conversas que as nossas personagens estão precisando ter.
Que outros encontros seriam interessantes? Deixem aqui nos comentários!
Grande beijo!
Tessa.
Voltamos a qualquer momento! 😌
Essa loba vegetariana é uma linda mesmo! kkkkk Amei essas conversas inesperadas e ansiosa pela proxima 😘
Uma mistura de Antes que o Café Esfrie, com a cafeteria da Han Kang, trazendo personagens afins! Que delícia! 🫶🏻
Ah Tessa que viagem foi essa😱 Eu amei 😍. Estou ansiosa pelas próximas.