top of page

Vulnerable 1




Capítulo 01 - o coração faz o que quer

conteúdo #1


Sinceramente, achava que nada no mundo podia ser mais barulhento do que seus próprios pensamentos.


Então segurou os olhos fechados, o corpo imóvel, a respiração compassando em uma regularidade que acalmava seus batimentos. Estava sentada em posição birmanesa, o indicador e o dedão em contato, os longos cabelos castanhos soltos, cortados em camadas, naturalmente ondulados, uma tatuagem minúscula, minimalista em seu esterno, “μίλα”, a expressão grega para “speak up”, diga, fale, fale alto, era um lembrete constante tal como a outra minúscula tatuagem em sua mão, “خیلی بد نیست”, it’s not so bad, não é tão ruim, era outro lembrete necessário, este em persa, não era tão ruim, nada de fato é tão ruim quando se paralisa o tempo por alguns instantes para respirar.


Abriu os olhos verdes-Caribe, verdes-Bahamas, un baja mar deslumbrante, era o verde das águas rasas do mar do Caribe, o verde azulado, ou o azul-esverdeado, aquela mistura em que ambas as cores estão tão entrelaçadas que não se consegue precisar qual a dominância. Isso não importava muito, as câmeras gostavam da mistura e sabia bem que muito do que tinha, era devido aos seus olhos de águas bahamianas. Gostaria de dever mais à sua mente, à sua maneira de pensar, mas seguia trabalhando em um ramo em que beleza contava mais do que intelecto e isso quase a ofendia. Paciência, paciência, Gabriela, se repreendeu mentalmente porque, mais uma vez, iria acabar pensando demais. Não há problema em se trabalhar com beleza desde que não se esqueça de regar a todo resto.


Respirou muito fundo mais uma vez, estendendo o olhar para sua frente, os olhos iluminados pela luz solar e o mar acenando no horizonte, se alongando pelo seu campo de visão. Tinha acabado de sair da cama, estava com um conjunto moletom branco, lutando contra o frio da manhã, e era estranho. Estava em um quarto de hotel sem seu telefone, sem relógios, sem seu violão, o painel da TV estava vazio, o aparelho tinha sido retirado de lá. Gabriela estava confinada há quase duas semanas e se perguntava como iria aguentar aquilo por três meses inteiros. Porque, se tudo desse certo, era o tempo que ficaria confinada no reality mais popular do país.


Levantou-se, saindo do único raio de sol que pintava seu quarto, seu café tinha sido servido há alguns minutos, mas não tinha conseguido comer, estava ansiosa demais, nervosa demais, tantas coisas passando em alta velocidade pela sua cabeça que sabia que não iria conseguir engolir nada enquanto não se acalmasse. Por isso, decidiu meditar, e agora, mais calma, sentou-se para o café da manhã e...

Não, não tinha TV no seu quarto, mas tinha TV em algum quarto próximo que deveria estar ligada antes, sem que ela tivesse prestado atenção, mas o som da sua própria voz... Hum, não tinha como ignorar, não.


“Meu nome é Gabriela Habren, eu tenho 26 anos e sou Digital Influencer. Tenho quase 7 milhões de seguidores no TikTok, 9 milhões no Instagram e eu decidi aceitar este convite porque quero falar para 32 milhões de pessoas ao mesmo tempo. (Intervalo para as poses que fez durante a gravação da chamada). Eu tornei postar um hábito diário, mas ainda assim não há como postar tudo o que eu sou, todos os meus lados prismáticos. Uma parte muito grande de mim nunca esteve exposta nas redes sociais e eu acho que esse vai ser o presente para o meu público, e uma oportunidade única para me apresentar para quem não me conhece. (Música, poses e poses). Eu vim aqui para triunfar.”


Pronto, agora estava feito, se tinham soltado sua chamada, é porque estava feito mesmo, sem volta, em algumas horas entraria naquela casa super vigiada e, ao mesmo tempo que achava que sabia o que estava fazendo, uma parte sua achava que não. Seu conteúdo no Instagram era fashionista, misturava seus trabalhos com moda, suas viagens, os compromissos de modelo e já seu conteúdo no TikTok era vida de todo dia, suas principais facetas, falava de hábitos saudáveis, saúde mental, mostrava sua rotina, postava covers tocando e cantando, a música era uma de suas paixões, a leitura, outra, e ficaria sem tudo isso por três meses. Às vezes, se perguntava como essas duas versões de si, podiam coexistir, a versão TikTok e a versão Instagram, mas elas coexistiam, tinha feito acontecer e agora estava prestes a dar o mais audacioso passo até então em sua carreira: se expor de verdade, 24 horas, para uma audiência em média de trinta milhões de pessoas diariamente. Não estava entrando para ganhar, era fato, estava entrando para triunfar.


Era uma enorme diferença.


Porém, estaria exposta 24 horas e ainda tinha tantas partes suas que mantinha escondidas... até de si mesma.


Tomou seu café da manhã, tentando ouvir mais alguma vinheta dos outros participantes, claro que existia uma lista de nomes especulativa antes de entrar no seu confinamento no hotel, mas como seu nome não estava cogitado em nenhuma delas, não tinha como ter certeza de nada. Dez personalidades conhecidas do público e dez desconhecidos, era assim que seria, e Gab só desejava que... Fossem pessoas que compatibilizassem com os seus objetivos.


Havia se questionado muito se realmente estava em seu melhor momento de saúde mental para fazer algo assim, mas, ao mesmo tempo, quando mais poderia ser? Quando teria outro convite tão exclusivo para a maior vitrine do país? Tinha passado por um término traumático há mais ou menos dois anos e parecia tempo suficiente para uma cura. Falava disso todos os dias, confiante e segura de seu discurso, mas... Não parecia servir para si mesma. “Não apresse nenhuma dor”, dizia em seu primeiro vídeo que tinha viralizado no TikTok, e achava que estava tudo bem, mas...


Aquele término ainda era a sua maior tempestade. E só de pensar nisso, sentiu necessidade de meditar mais uma vez. Meditou. Depois do café simples e bonito, meditou por mais dez minutos e sabia que era a hora. Alguém veio até a porta, informou que ela precisava se vestir, sairia em duas horas.


Tudo bem. Era a hora. E não rolou ouvir mais vinhetas, alguém deve ter se dado conta de que a TV estava alta demais e ela foi desligada, então, focou no que precisava fazer. Uma mala grande, que foi despachada por alguém da produção, uma mochila com seus itens mais pessoais, então encarou o look que usaria. Entrada diurna, escolheu um vestidinho branco e um jaquetão jeans por cima, e embaixo da manga, onde ninguém podia ver, colocou uma pulseira. Era de prata, delicadamente cravejada de diamantes bem pequeninos, tinha um ótimo valor comercial, mas o valor sentimental... Usar uma joia ou um objeto que pertenceu a outra pessoa, te faz carregar um pedaço dela com você.


Era isso.


Arrumou os cabelos, fez uma maquiagem leve, uma das poucas que sabia, maquiagem não era o seu forte, então aprendeu uma que servia para tudo quando não tinha um maquiador por perto. Respirou fundo, se olhando uma última vez no espelho. Os olhos claros, os cabelos soltos, super hidratados, as coxas belamente definidas no vestido curtinho, ok, tudo bem.


Era hora de ir.


Pensou na sua família enquanto o carro a levava até os estúdios onde a casa ficava e muito rapidamente pensou em seu namorado também. Nathan, um ótimo rapaz que tinha conhecido na Bola de Neve, sim, era a igreja mesmo. Um cara formidável, incrível e que a ajudou muito a atravessar a tempestade do seu término anterior. Tudo ia dar certo, de repente teve certeza disso, sairia daquela experiência ainda mais forte, mais amadurecida, sabia dos seus poderes, sabia que poucas coisas podiam trincar sua mente e trabalharia nisso, em quem sabia que era, nas coisas que tinha certeza de que podia conseguir.


Do seu descer do carro para frente, não lembraria de muita coisa. Desceu, com sua mochila em um dos ombros, cercada de algumas pessoas que a guiaram por corredores que pareciam infinitos. Estava nervosa, mas isso era apenas por dentro, normalmente aquele tipo de emoção traria uma respiração ofegante, um coração batendo acentuado, mas não com ela, ela sabia como controlar essas coisas, o coração disparado, mas o olhar reto, firme, gelado, Gab uma vez já tinha sido a garota insegura, mas Gabriela Habren era a mulher que não podia ser parada. Recebeu instruções rápidas que mal pôde compreender, corredor escuro, duas pessoas ao seu lado, passos rápidos e, uma porta, uma única porta que podia mudar todas as coisas.


— Só abre e vai — Foi a instrução que recebeu, então caminhou até a porta e, congelou.


Apenas... Parou.


A produtora não entendeu, falou com ela mais uma vez, mas não parecia estar sendo ouvida de qualquer forma. Então foi até ela.


— Gab, você tem que abrir a porta e entrar.

— Eu sei, Mari.


Sabia, mas não se movia? A produtora a estudou com os olhos.


— É que... assim, tecnicamente você precisa ir.


Outra respiração longa de Gabriela.


— Habren?


Outra encarada na porta. Queria abrir e ir, queria se mover e entrar, mas de alguma maneira...


— Ok — A produtora abriu a porta por ela, de modo que não aparecesse nas câmeras e tão discreta quanto era possível, gentilmente a empurrou para dentro.


E só então, Gabriela descongelou, achou ar, respirou fundo vendo ao vivo aquela casa que já tinha visto tantas vezes pela TV. Já havia pessoas lá dentro, mais cinco, seis pessoas? Não sabia bem, mas entrou e ativou seu modo social pelo qual era tão valorada, conhecia dois dos cinco rostos que via, os outros sentia que deveria conhecer, eram todos camarotes como ela, mas quem eram não fazia ideia. Claro que não deixou que ninguém descobrisse que não sabia, era ótima nisso também, tinha acabado de quase ter um ataque cardíaco na porta, mas já estava sorrindo, socializando, represando o nervosismo apenas por dentro diante da simpatia que conseguia transmitir.


O primeiro rosto que conhecia era Monique Lagos, modelo internacional, já tinham feito alguns trabalhos juntas, Luís Esteves foi o outro rosto que reconheceu, era skatista, campeão mundial, cruzou com outra influencer, GastandoBeleza era o @, uma das rainhas mais recentes dos tutoriais de maquiagem, Carol Vieira era o nome dela, tinha quase certeza, então, outro influencer do TikTok, um cara enorme, estilo lenhador tatuado que vivia cercado de enormes cachorros em seus vídeos, chamava-se Henrique, Gabriela o conhecia de algum evento. Mais alguém chegou, Eduarda Ricca, que era modelo e também repórter esportiva, havia um cooler os recepcionando, estimulando uma social improvisada, entrou uma cantora de sertanejo, Lia Araújo, essa Gabriela reconheceu fácil, um ator de novela adolescente chegou em seguida, Rafael Laguna, outro cantor, líder de uma banda de rock chamado Augusto, fizeram uma roda no jardim, já tinham entrado todos?


Foi fazer a pergunta e a maçaneta da porta se moveu. Então, a última participante do grupo camarote finalmente chegou.

 

“O meu nome é Bruna Ribeiro, tenho 28 anos e você pode não saber quem eu sou, mas com toda certeza já ouviu meus gritos em algum lugar (gargalhada alta). Eu sou blogueira, comecei em um canal do YouTube onde fazia maquiagem e testava produtos naturais que eu mesma produzia. Nascida e criada na comunidade do Cantagalo, empresária, encrenqueira, fui expulsa do colégio duas vezes e na segunda expulsão, foi por ter me envolvido em uma briga na qual eu fui atacada sob a acusação de ser ‘indecente’. Foi onde nasceu o meu canal, o ‘BemIndecente’, que empodera mulheres através da maquiagem. Aprendi a bater mais forte do que me batiam e estou construindo o meu pequeno império Fierce, a minha própria marca de maquiagem vegana recém-lançada no mercado. Eu sou hiperativa, tenho dificuldades de ficar quieta, festa para mim, tem que ser infinita, as coisas demoram para terminar quando eu estou envolvida! Não sou de prometer, mas costumo entregar bastante, essa casa que me espere. Eu vim para ganhar! É claro que vim para ganhar! (Outra gargalhada, fim da vinheta).”


— Água, você tem água? Eu acho que me bateu um nervosinho aqui — Bruna pediu à produtora, sorrindo no caminho para a tal porta que mudaria sua vida. Exibida do jeito que era, o que podia dar errado num programa sobre exibição? Coisa nenhuma! Ganhou sua água com seu sorrisão aberto, sabia que ele sempre funcionava, tal como seus olhos castanhos que sempre faiscavam charme com enorme facilidade.


Respirou fundo, arrumou os longos cabelos castanhos, checou seu look enquanto bebia a água. Calça de alfaiataria italiana, cropped Versace, os anéis de prata espalhados pelos dedos tatuados, e falando em tatuagem, elas subiam pelas suas mãos e apenas seguiam, cobrindo seu braço, então minuciosamente se espalhando pelo seu corpo todo. Tinha uma lua e um sol na linha do quadril, frases em italiano espalhadas pelos seus ombros, pelas costas, a cabeça de Medusa abaixo dos seios, uma mandala no alto do antebraço, frases, arabescos, a constelação de sagitário, ondas do mar, uma saudação ao sol, símbolos gregos, vikings, indígenas, era uma apaixonada por símbolos e, um delineado bem na curva interna do cotovelo: seu delineado tinha mudado sua vida e tê-lo ali, a lembrava de onde tinha vindo. Era um delineado e ao mesmo, uma onda do mar, para lembrar de sua comunidade. Bruna sabia do alcance de sua influência, seus 13 milhões de seguidores não a deixavam esquecer, era da primeira safra de blogueiras do YouTube e isso apenas se consolidava e consolidava cada dia mais.


Respirou fundo outra vez, o look todo preto, os saltos altos e quase que pôr recorrência (porque recorremos ao que conhecemos sempre que o nervosismo aperta), tirou uma joia do bolso e a colocou na orelha. Um delicado ear cuff de prata com minúsculos diamantes. Apertou os lábios, encarou a porta no final do corredor, devolveu a garrafa de água para a produtora, pressionou uma mão contra a outra e subindo pelo seu indicador da mão direita, subia uma frase em tatuagem também: הלב עושה מה שהוא רוצה. Era hebraico e queria dizer: o coração faz o que quer. Era um lembrete constante, porque sim, ele sempre fazia.


— Posso ir e só entrar?

— A casa é sua, Bruna! — Ela lhe indicou a porta sorrindo, e Bruna caminhou para casa com o coração disparado de ansiedade.


Andou em passinhos rápidos até a porta e sem pensar em muita coisa, apenas a abriu. Entrou e milhares de coisas explodiram na sua mente: empolgação, felicidade, uma euforia insana que não estava conseguindo processar.


— Eu sou a última? Já tem galera aqui! — E saiu abraçando todo mundo, cumprimentando, distribuindo seu sorriso que era sua marca registrada e tinha tanta coisa para processar, tanta coisa que estava sentindo que em meio a tantos rostos conhecidos, inclusive, de uma quase amiga, não percebeu um rosto bem mais do que familiar. Só notou no abraço. Passou direto para mais um abraço e, ela entrelaçou os dedos aos seus de uma maneira muito...


Muito particular. Olhou para a mão, viu a tatuagem, olhou para o rosto.


— Puta que pariu!


E Gabriela...


Apenas sorriu. E lembrou Bruna de sorrir também.


Sorria — A abraçou, porque, aparentemente, Bruna tinha congelado.

— Gabriela...

— Como você está? Veio parar aqui! — E seguia sorrindo, aquele sorriso que já tinha feito a mente de Bruna esfacelar tantas e tantas vezes. E em parte, era por aquele comportamento, como podia? Se afastou dela, sorriu mesmo.

— Como você não virou atriz ainda, menina?

— Para de me atacar, a gente acabou de chegar — E a pegou pela mão, a levando para o círculo que os outros participantes tinham voltado a fazer. O tom leve, descontraído, enquanto a mente de Bruna estava...


Que filha da puta! Como tinha...? Com aquela fingida? E outras coisas vieram, a risada dos outros participantes, todos muito empolgados, eufóricos por estarem ali. Fizeram uma roda de apresentações básica, comentaram da divisão da casa, tinha um muro cenográfico repartindo a casa ao meio, dava para ouvir outras vozes do outro lado, não sabiam bem como seria a dinâmica e falando em dinâmica, chegou a vez de Gabriela falar.


— Bem, meu nome é Gabriela, eu tenho 26 anos e tenho uma plataforma no TikTok que fala sobre hábitos saudáveis, saúde mental, rotina, música, livros, além do Instagram, onde trabalho como modelo.

Sou paulista, mas atualmente moro no Rio...

— Na mesma rua que a Bruna — Outra participante disse de repente.


Gabriela olhou para ela, Lia Araújo, cantora, era ela. E sorriu.


— Não mais, mas a gente morou na mesma rua por bastante tempo.

— Você se mudou? — Outra pergunta inesperada.

— Estou trabalhando mais no Rio, então tive que me mudar. Como eu estava dizendo, o meu trabalho é com...


E seguiu sua apresentação enquanto Bruna tentava colocar sua mente em ordem, o golpe tinha sido inesperado, mas aparentemente, apenas ela tinha sentido. Gabriela não sentia nada, claro, tinha esquecido deste detalhe. Sua mente estava processando uma série de coisas muito rapidamente, tudo simultaneamente, fora de ordem, sem conseguir fazer sentido: a entrada no programa, o estar na casa, Gabriela estava ali, bem na sua frente e, acabou pensando em Giovana descobrindo que Bruna estava no mesmo espaço que Gabriela...


Trancada com ela.


Gio Jordí, sua atual namorada. Paraguaia de nascimento, capixaba de coração, a voz doce de uma banda que estava muito em alta no momento, uma coisa linda e, um tanto sem pavio. Bruna nem podia culpá-la de nada. Acabou sorrindo disso sozinha e a roda de apresentações chegou na sua vez.


— Rindo sozinha, Bruna?

— Nada não, lembrei de um negócio engraçado aqui — O sotaque carioca muito presente em cada palavra que dizia — Bem, eu sou Bruna Ribeiro, a Bem Indecente, esta mesma, sou blogueira de maquiagem, tenho a minha própria linha de produtos, aliás... — Buscou uma câmera para falar — Pessoal de casa, favor comprar Fierce Natural que eu estou precisando expandir, obrigada, de nada! E...

Seguiu se apresentando, em seu tom leve e alto astral tão característico, Gabriela pegou um energético no cooler, a ouvindo falar, a voz alta, animada, aquele tom para cima que tanto conhecia. Seu coração estava a ponto de escapar de dentro de suas costelas, mas em seu rosto, nada se passava. As asas do nervosismo batendo forte, mas a expressão era de interesse educado, de quem está prestando atenção no que está ouvindo. As horas foram passando, a social se prolongando e perto do final da tarde, enfim, o muro cenográfico caiu e puderam ver os outros dez participantes que estavam do outro lado.


Se distraíram com isso, no aumento da social, em conhecer as outras pessoas, fizeram outras rodadas de apresentação e uma coisa pareceu unanimidade de cara: podiam ser camarotes e desconhecidos do público, mas a única que todos conheciam de fato, a única unanimidade, era Bruna Ribeiro, a imperatriz da Fierce, a Bem Indecente. Gabriela sabia que a produção deveria estar atrás de uma grande estrela para o elenco, mas desejou muito, muito mesmo que Bruna não fosse essa estrela. Eram publicamente desafetos uma da outra, já tinham tido muitos momentos estressantes, e agora... Estava ali. Condenada a ficar trancada com ela por sabe-se lá quanto tempo.


Respirou fundo discretamente.


— Tudo bem? — Uma das moças que estava do outro lado do muro se aproximou.

— Tudo bem, sim. Nuna, não é?

— Isso mesmo, a aspirante a médica, lá de Recife — Ela sorriu, era uma moça linda, com uma simplicidade que ficava pelo rosto logo de cara e que estava claramente deslocada. Acontecia, grupinhos já estavam naturalmente se formando em conversas e ela estava meio que sendo engolida pelas formações — Eu sigo você no TikTok.


Gabriela abriu um sorriso.


— Sério? E curte o conteúdo?

— Muito! Dos vlogs de um dia na sua vida até os textos de tranquilidade mental, construção pessoal...


Ficou naquela conversa com ela enquanto discretamente, acompanhava Bruna com os olhos, já num grupo bastante feminino, ela falava com mulheres o tempo todo, liderava mulheres, amava mulheres, era abertamente bissexual e achava que ela estava namorando. Tentava evitar as notícias sobre ela, mas era uma tarefa árdua. Com todos reunidos, foram dividir os quartos, não havia camas suficientes e como Bruna entrou por último no quarto que se tornou feminino quase que por indução, já estava sem cama.

— Divide comigo... — Monique passou por trás dela e sussurrou.


Bruna olhou para ela. A supermodelo, preta, linda, empoderada, já tinham trabalhado juntas, aquele era um rosto que Bruna já tinha maquiado.


— Divido — Não devia fazer mal, não é?


Não, Bruna estava de boa, tranquila, compromissada, não ia fazer mal, não.


Quartos divididos, correram para o ao vivo, outra emoção, outra euforia, aquilo estava mesmo acontecendo e uma energia incrível encheu aquela sala. Então foi baixando, devagar, no final do programa. A noite foi densa, difícil de dormir, muitas conversas, a empolgação seguia, muitas bebidinhas rolaram e agora que estava indo para o quarto, Bruna não sabia bem. Dividir a cama com uma beldade que parecia estar em flerte constante consigo, a deixou preocupada. Consigo mesma, com Gio e, com Gabriela.


Detestava profundamente ainda se preocupar com Gabriela, mas perdeu aquela batalha. O coração sempre faz o que quer.


Não conseguiu dormir, porque não conseguiu parar de pensar nem por um segundo que estava de novo em um quarto com Gabriela. Ela tinha feito uma cama no chão e aparentemente dormiu sem problemas, enquanto Bruna simplesmente...


Não iria conseguir fazer aquilo. E podia enumerar milhares de motivos, mas o principal deles é que ainda estava muito machucada. Tinha cortes feitos por Habren em processo de cicatrização e eles estavam sendo abertos um a um cada vez que Gabriela agia como se apenas socialmente se conhecessem, e fosse só isso mesmo. Como ela podia...? Como que...?


Sentou-se, olhou para ela dormindo entre as camas e notou que ela não tinha tirado a roupa. Tinha bebido, o cooler da social foi reabastecido o tempo todo e enquanto a notou lá fora, realmente achou que Gabriela tinha passado um pouco da linha do que costumava beber. E aparentemente tinha mesmo. Deitou e só tirou os sapatos, e por aquele motivo que se chamava “recorrência”, Bruna levantou-se para ir ao banheiro e quando voltou, não pôde ignorar. Ela parecia toda desconfortável naquele jaquetão. Se abaixou no espacinho entre as camas onde ela estava dormindo.


— Habren?

— Hum?

— Você está dormindo por cima do braço, ainda de jaqueta.


Ela esticou os braços, como quem aceita a ajuda muito no automático. Bruna a sentou, tirou a jaqueta e antes de deitá-la de volta...


Mel, argan e quinoa... — Ela balbuciou, cheirando os cabelos de Bruna.


Acabou sorrindo ao ouvir aquilo. Eram os ingredientes de seu shampoo, um que não entrou em sua linha, que tinha feito especialmente para si mesma há muito tempo, uma marca registrada. A deitou de volta, a cobriu devidamente. Ela pegou no sono ou nem tinha despertado do sono, não sabia dizer, e quando Bruna estava se afastando...


Notou a pulseira no punho dela.


E sua mente viajou, para longe, para Amsterdã, para um pôr do sol sobre uma ponte cheia de flores e bicicletas, mãos dadas, sorrisos, uma promessa de “para sempre” bem improvisada, usando uma determinada pulseira.


Aquela no pulso de Gabriela. Que era par do ear cuff que tinha entrado na casa, usando.


Bruna voltou para sua cama.


E amanheceu encarando o botão vermelho de desistência no meio da sala.


Acordou antes de todo mundo, na verdade, pouco tinha dormido, apenas pensou e pensou, e chegou à conclusão de que não daria conta daquilo. De ter suas feridas descascadas tudo de novo. Estava de top Calvin Klein, uma calça moletom, toda de preto, os cabelos desgrenhados de quem havia saído da cama recentemente. Pensou e pensou de novo, os olhos no botão. E, alguém se sentou atrás de si.


Bruna estava sentada no chão, com as pernas em borboleta e sentiu alguém sentando-se no sofá atrás de si. Não precisou olhar, conhecia aquele perfume, Eternity, CK, também marca registrada, nunca alterada.


My tea's gone cold, I'm wondering why, I got out of bed at all... — Ela começou a cantar baixinho, quase sussurrado, num ritmo mais lento do que a canção original, um sussurrado que encheu o lugar que estava em absoluto silêncio — The morning rain clouds up my window, and I can't see at all… And even if I could, it'd all be gray, but your picture on my wall… It reminds me that it's not so bad, it's not so bad…


Um segundo de silêncio. Bruna respirou fundo, fechou os olhos e:


I drank too much last night, got bills to pay, my head just feels in pain… I missed the bus and there'll be hell today, I'm late for work again… — Seguiu a música, cantando baixinho, mais para si mesma do que para qualquer outra pessoa — And even if I'm there, they'll all imply, that I might not last the day… And then you call me and it's not so bad, it's not so bad…


E então você me liga e não é tão ruim, não é tão ruim...


Gabriela saiu do sofá e veio até Bruna, se abaixando na frente dela. As mãos em seus joelhos, os olhos nos olhos dela.


— Não é tão ruim.

— Você acha que não?

— Não é, não. Esquece isso, a exibida aqui é você, não vai dar esse prejuízo logo na entrada, não... — Levantou, a pegando pela mão e a fazendo se levantar também, a fazendo rir do comentário porque entendia bem o que ela estava dizendo.


Não podia desistir. Tinha sido convidada, havia uma carga extra, uma expectativa sobre si. Não podia desistir. Nunca tinha desistido de nada na vida, não desistiria na frente de 30 milhões de pessoas.


— Quer fazer café da manhã?


Bruna olhou bem para ela.


Sonsa. Quero.


Gabriela riu. A sonsa ainda era ela, tudo bem, dariam um jeito em tudo, tinha certeza de que conseguiam fazer isso. Foram para cozinha, fazer o primeiro café na tal casa, onde os sonhos se realizam.


— Não parece aquela música? De uma casa em Nova Orleans e tal?

— Sem Vampire Diaries, Bruna, pelo amor de Deus!


Ela gargalhou alto. E aquela gargalhada sim, tinha contornos de casa.


Porque aquela gargalhada alta e gostosa, por muito tempo, já havia sido o lar de Gabriela Habren.


E sim, o coração faz o que quer e ponto.

 

Notas da Editora: Tessa Reis

Olá, moças! Feliz ano novo! 🍾🥂


E por aqui na Riesa Editora, damos feliz ano novo e feliz história nova!


Espero de coração que tenham curtido a leitura deste primeiro capitulo de Vulnerable e, que tenham aceitado este formatinho diferente que tivemos que bolar para esta história poder ser contada 🥰.


O que acharam? Favor, me contem nos comentários! Desta vez realmente preciso de feedbacks, vamos conversar.


Raiou luz no novo dia!


Grande beijo a todas!


Capítulo 2 já disponível, hein?!




921 visualizações19 comentários

Posts recentes

Ver tudo

HICKEY 1

bottom of page