Impostora
Presley subiu para a sua sala, a qual dividia com sua chefe e outros três colegas, e estava pronta para emprestar um carregador quando notou que seu celular estava carregado. Só estava desligado. Hanni, com toda certeza, o carregou antes de entregar, e era por essas e muitas outras delicadezas que seu coração batia forte só de pensar no nome dela.
— Pessoal, a modelo Diesel acaba de chegar! — Disse um dos rapazes, causando um alvoroço.
— O quê? — Presley perguntou, sorrindo, sem entender muito bem.
— Você está no Instagram da Diesel, Presley! Não me diga que você ainda não viu?
— Uh, eu...? É que, eu literalmente não vejo nada desde sábado, eu perdi o meu celular, agora que recuperei, e... — Estava sendo inundado de notificações, todas do Instagram. O que estava acontecendo? — Tem mesmo um monte de notificações do Instagram aqui.
— Pres, olha essas fotos! — E foi Sara, a sua chefe, que se aproximou com o celular dela aberto na tal postagem da Diesel, e Presley sorriu imediatamente.
A postagem principal era de Hanni, claro, mas ao deslizar para o lado, havia uma foto sua com ela. Hanni estava de frente, com a mão na cintura de Presley, que estava um pouco de lado, mas olhando para a mesma câmera para a qual ela também olhava e...
Face card muito em dia, mais do que aplicado, para ambos os lados, ainda bem.
— Nem parece que sou eu — Foi sua primeira reação. Pegou o celular para ver melhor e abriu um sorriso.
— Discordo. Acho que essa aqui na minha frente é a que não parece você.
Presley olhou para Sara, surpresa.
— Como...?
— É essa aqui de você que não parece com você! — Ela respondeu sorrindo — Presley, você é uma impostora, eu digo isso todo dia desde quando você entrou aqui, os meninos estão de prova.
— Mas como assim impostora? Olha o que vocês falam pelas minhas costas — Passou para o lado e tinha outra foto sua, agora sorrindo. Agora eram as suas mãos que estavam na cintura de Hanni. Pensou que passaram a noite inteira assim, alternando quem estava com as mãos em cima de quem, mas nunca desconectadas do corpo uma da outra.
— É que, olha essa embaixada, Presley! — Um dos rapazes comentou — Tirando os recepcionistas, todo mundo aqui ou é velho, nerd ou jurista. E tem você, jovem, bonita, mas que não age como se fosse assim.
— Você chega aqui todos os dias como se estivesse economizando beleza. Entende o que quero dizer?
Presley seguia sorrindo, olhando para aquela postagem. Passando para o lado, tinha mais fotos de Hanni, já na festa, no palco.
— Eu ainda não entendi se vocês gostam ou não de trabalhar comigo.
— Adoro trabalhar com você! Você é ótima nas suas atribuições, mas meio que... não pertence a este lugar chato. Eu sempre me perguntei como a garota festeira veio parar na biblioteca. Você combina com este tipo de festa, este tipo de... companhia — Sara explicou, apontando para Hanni — Ela veio aqui mais cedo, eu estava chegando.
— Ela não passa despercebida — Devolveu o celular para ela.
— Não tem como, não, ainda mais, nesse lugar aqui.
— Sara, tem alguma marcação na foto?
— Nenhuma, mas encontraram a sua conta, né?
— Acho que sim — Destravou seu celular, entrou no Instagram. Havia dezenas e dezenas de solicitações para seguir — Meu Deus do céu, quem são essas pessoas todas?!
— Todos que viram você no Instagram da Diesel e no Instagram dela. Ela fez uma postagem também.
Presley correu para a postagem de Hanni.
É, era realmente difícil não se apegar a ela.
Sentou-se à sua mesa e observou a postagem com calma. Era composta por dez conteúdos e começava com a foto que elas haviam tirado no espelho da entrada. Devem ter tirado umas dez selfies naquele espelho, e era uma foto aparentemente boba, talvez a mais boba que tiraram. Presley sorria de olhos fechados, sua mão direita formando um "P" em língua de sinais, enquanto a de Hanni supostamente fazia um "H" com a sua mão esquerda. As mãos se tocando, Hanni sorrindo, seu rosto quase ocultado pelas mãos, elas se apertando pela cintura uma perto da outra.
Sabia por que aquela foto. Era pelo seu sorriso nela, apenas sabia. Hanni adorava o seu sorriso. Tinham outras fotos depois, com outros detalhes da festa: os dois drinques sem álcool, um close no brinco que Hanni estava usando, outra foto no reflexo de uma superfície escura de dentro que quase não dava para ver nada, selfies com outras pessoas, um vídeo dela cantando Best Part, e por último, uma foto no carro, das mãos das duas enroscadas pelos pedaços de pizza. E a legenda:
"Noites que começam assim 😆 e terminam assim ❤️🩹."
Ela não havia marcado Presley, provavelmente porque não haviam conversado e ela não pôde perguntar. Tinham duas postagens de embaixadora, nas quais ela incluiu as fotos que tiraram na entrada, mas aquela postagem com fotos tiradas por ela ou por Presley tinha um efeito diferente. O vídeo postado era de Presley, que o gravou enquanto a assistia e cantava com ela. Tinha, inclusive, a sua voz no vídeo. Pensou e pensou. Curtiu a postagem e decidiu ir trabalhar, pois Hanni havia dito que ligaria, e como foi Presley quem pulou em cima dela, o mínimo que podia fazer era esperar, entender o tempo gentilmente pedido e interpretar aquela postagem delicadamente pensada. O que queria dizer? O que será que Hanni estava pensando?
Trabalhar. Precisava parar de pensar nela.
E foi assim que traduziu uns três discursos e textos diferentes naquela tarde sem fazer pausa nem para um café. Vez ou outra, olhava para o celular. O que faria com todos aqueles pedidos para seguir? Aceitava todo mundo para descobrirem o quanto a sua vida era sem graça e pronto? Deixou para lá. Foco no que tinha que fazer. Quando se deu conta, a tarde havia passado e era hora de buscar Aika. Seu celular não havia tocado. Abriu a janela de mensagens com Hanni, apenas olhou. Ela estava online. Clicou na foto do perfil, abriu um sorriso. Hanni de touca, sorriso aberto, olhos brilhando, provavelmente fazendo alguma trilha ou algo do tipo. Ok, Aika, tinha que ir buscar Aika.
E contar que não iriam para o jiu-jitsu.
Foi bem pior do que calculou. Sua filha costumava ser agitada, fazer birra, mas raramente chorava, e ela chorou, o que partiu o coração de Presley. Mas o que podia fazer? Deixar Aika na porta da academia com um bilhete, pedindo para entregar a criança para Hanni? Não tinha muito o que fazer, então foram para casa. Ela chorou mais, não queria deixar Presley fazer o jantar. Leo chegou, e foi outro caos.
— Se ela gostou tanto, por que não levou a menina hoje? Até você gostou de treinar — Ele detestava choro, desde sempre.
— Eu não estava bem para ir hoje, não estou me sentindo bem, na verdade. Você podia fazer o jantar — Disse, enquanto tentava acalmar Aika em seu colo.
— Estou morrendo de fome, caramba, se soubesse, teria trazido algo da rua!
— Então volta pra rua e traz algo, pronto!
Ele foi, furioso, mas foi. Voltou com pizza, e uma simples pizza levou Presley para... Onde ela não saía, desde sábado. Jantaram, ainda com Aika chorando, e quando terminaram, ela estava vermelha e parecia exausta de tanto chorar. Presley fez outra tentativa, se abaixou junto dela, olhou nos olhos que amava, perguntou se podiam ir para o banho, ela aceitou. Foram para o banho, ela colocou o pijama, mas dormir foi outra luta. Aika não conseguia dormir, não queria ficar na cama. Leo estava assistindo algo alto e barulhento na sala, e Presley só... queria sumir. Queria estar em outro lugar. Mentalmente, estava contando o tempo da aula de jiu-jitsu, e não se enganaria. Esperou uma mensagem, um questionamento que fosse sobre a ausência delas na aula, mas nada veio.
Apenas um storie mais tarde, de outro jantar, em qualquer lugar, com Hanni cercada de muita gente. Clicou no storie, queria ver as marcações e achou o que queria.
— Então, você é a Alexia — Deu uma olhada no perfil dela. Atleta, dublê, havia acabado de voltar de uns dias na Ilha Sul, onde gravou algo no cenário natural da Terra Média de “O Senhor dos Anéis”. Aparentemente, era este o tipo de amigas que Hanni tinha, e Presley se perguntava por que achava que podia se encaixar ali.
A terça amanheceu tenebrosa. Presley dividiu a sua manhã em cuidar de Aika, da casa e correr para o banheiro quando algo estava apertando demais. O que estava acontecendo com os seus hormônios? Havia voltado a ter dezesseis anos outra vez? Porque, sinceramente, sua mente não parava de enviar estímulos, de trazer cenas que não conseguia esquecer. E não era apenas visual; ela quase podia sentir, era sinestésico. Podia sentir a pele suada de Hanni, o corpo dela junto ao seu, podia sentir o cheiro dela. Como era possível? Suas memórias tinham textura, cheiro, e quando fechava os olhos, pronto, estava naquela rua novamente, encostada no seu carro, com o corpo de Hanni grudado no seu.
Respirou fundo, sentindo aquela pulsação crescendo por dentro outra vez, apertando entre as suas coxas. Presley se inclinou para frente, sentada no sofá onde estava, e enterrou o rosto nas próprias mãos.
— Por que eu nunca posso ter o que quero? — E começou a chorar, estava à beira da loucura.
Nada de ligação na terça, nada de conversa com Leo também, mais uma noite em que ele chegou tarde, no piloto automático, esquentou o jantar e se sentou para comer na frente da televisão. Presley se perguntava o que aconteceria se só contasse para ele o que havia feito. E se perguntava se precisava contar. Se não seria cruel esconder. Queria poder falar com alguém, talvez devesse marcar uma sessão de terapia, talvez pudesse ajudar, já que a única amiga que tinha não podia contar.
Ou será que podia?
Na manhã seguinte, estava acordando Aliana no apartamento dela. Presley tinha as chaves. Ligou o Playstation da sala, deixou Aika jogando e foi tirá-la da cama.
— Presley, eu só trabalho de tarde, me deixa dormir pelo amor de Deus, isso é DESUMANO!
— Eu preciso falar com você, e você precisa jurar para mim que é mais fiel a mim do que ao seu irmão.
Aliana se sentou na cama imediatamente.
— Pres, o que foi? Você está... ansiosa.
Estava andando de um lado para o outro dentro do quarto e, então, desabou chorando.
O que fez Aliana acordar de vez, colocar sua amiga no colo, preparar café da manhã para ela e descobrir que ainda eram sete da manhã, e Presley já estava em sua casa. Fez café, algumas torradas, ovos e levou cereal com leite para Aika. Ia entregando a tigela e:
— Meu beijo, onde está? — Sinalizou e sinalizou, e Aika se levantou no sofá e a beijou, sorrindo demais. Ela ficava feliz só de sair de casa, e Presley se perguntava que mensagem ela poderia estar tentando passar — Aqui, meu amor, seu cereal — Aliana deixou um beijo nos cabelos dela e voltou para a cozinha integrada, onde Presley bebia um copo de café e se acalmava — Ok, o que aconteceu?
— Prometa primeiro.
Aliana pegou a mão de sua amiga sobre a mesa.
— Estou do seu lado, Pres, nem sei o que aconteceu, mas estou do seu lado. Agora me conta por que você está assim.
Presley respirou fundo.
— Eu traí... — confessou, e outra lágrima caiu.
— Você... — Aliana recostou-se na cadeira, boquiaberta, olhou de um lado para o outro e riu.
Só começou a rir.
— O que há de errado com você, Lia, pelo amor de Deus?!
— É que... — Ela juntou as mãos em “x” sobre a boca — Você traiu o Leo? Nessa festa que você foi? — Ela sussurrou, como se Aika pudesse ouvir.
— Depois da festa, na verdade — Tomou outro gole do café, respirando fundo — Eu traí, e não me arrependo. Já procurei arrependimento dentro de mim e não consigo encontrar nenhum, o que tem feito eu me sentir péssima porque...
— Se você não se arrependeu, é porque valeu a pena.
— O quê?
— Se você não se arrependeu, é porque foi muito bom, Presley! Escuta, eu sei o quanto você respeita o meu irmão, e sei que esse respeito que tem é o maior sentimento que você nutre por ele hoje. Sejamos sinceras, nunca houve uma paixão da sua parte por ele.
— Não é bem assim, Lia.
— Claro que é. Você e ele sempre foram, tipo... eu não sei, algo calmo, tranquilo, tudo muito... numa sequência esperada. Eu não estou dizendo que você não o ama, eu sei que ama, ele é o pai da Aika, é o cara com quem você divide a sua vida nos últimos anos. Sei que você o ama, mas não existe paixão, e ela sequer apagou porque nunca esteve aí, na verdade. E eu sei que você é passional, eu lembro dos seus outros casinhos, o que te fazia ir embora de alguém, era sempre a morte do interesse.
— Minha mãe diz que... não é assim que um casamento funciona. Que eu nunca ficarei eternamente interessada em alguém.
— A gente não sabe! Não sabe se você já esbarrou na sua forever person.
— Será que isso existe?
— Eu não sei, mas sei que sigo procurando a minha — Ela respondeu, sorrindo — Me diz o que aconteceu.
Presley a olhou nos olhos.
— Não me julgue, ok?
— Pres, você sabe que pode me contar qualquer coisa, vamos, já me contou o principal, não contou?
Presley apertou os lábios.
— Então, tem essa garota que conheci nesta semana, brasileira...
— Brasileira? Quente.
— Mas ela também é coreana.
— Oh, carma!
— O carma tem esse rosto aqui — Pegou seu celular, por acaso estava aberto no Instagram de Hanni, abriu uma foto e mostrou para ela. Um close, uma foto de perfil, onde o evento principal era aquele rosto.
— Para! Isso é uma foto de modelo?
— Ela é modelo, é musicista, instrutora de jiu-jitsu...
— A professora da Aika?! Que você conheceu no hospital?!
— Essa mesma.
— Eu não fazia ideia de que ela tinha te chamado para sair, não achei que fosse a mesma pessoa — Pegou o celular da mão de Presley, olhando mais algumas fotos e começou a rir de novo.
— Mas o que foi agora?!
— Quero dar uns amassos nela, meu Deus do céu! Como você achou uma mulher dessas num hospital? Deus tem seus preferidos, eu vivo te repetindo.
— Para de olhar pra ela — Pegou o celular de volta e soltou o ar pela boca outra vez, sorrindo, porque sua mente havia ido para Hanni outra vez, e se ia para ela, sorria.
— Presley?
— Hum?
— O que vocês duas fizeram?
Presley correu a mão pelos cabelos claros, jogando-os para trás.
— A gente... se beijou. E se pegou, muito quente, eu sequer senti que estava em mim. Eu não conseguia pensar em outra coisa, querer outra coisa. A gente só estava lá e... não parecia que dava para ser parado, evitado. Eu não sei, só parecia... que tinha que ser. Que tudo tinha que ser. Não lembro de ter sentido tanto tesão assim em outro momento na minha vida, Lia — e começou a falar mais baixo, como se Aika pudesse sentir a vibração de sua voz ou algo assim — Ela mal me tocou.
— Como assim?
— Ela não colocou as mãos em mim, mas de alguma maneira, encostou o corpo dela todo no meu, eu gozei contra a coxa dela.
— Você gozou?
— Sem conseguir controlar e eu sei que ela sabe que gozei, deixei a coxa dela toda molhada.
— Presley... — Agora ela estava chocada, positivamente chocada — Tanto tesão assim?
— Tanto assim. A gente já estava fora da casa dela, praticamente no meio da rua, encostadas no meu carro, e eu juro para você, estava pronta para ajoelhar para ela bem ali, sem pensar em mais nada, eu só queria... senti-la na minha boca.
— Você sentiu?
— Não, a gente estava na rua, lembra?
— Lembro, vocês duas que não lembraram disso — Respondeu, sorrindo — Mas você a tocou?
Presley afirmou.
— E não consigo esquecer, o jeito que ela reagiu ao meu toque. Eu não faço ideia se ela gozou comigo ou não, eu só... não consigo esquecer. A sensação. O cheiro dela, a pele molhada, o beijo gostoso. Olha essa boca — Mostrou outra foto para ela.
— Lábios em formato de coração. É por isso que você não consegue se arrepender.
— Mas consigo sentir culpa. E me sinto horrível, não sei o que fazer, se devo contar, se não, se só peço o divórcio.
— Você está decidida sobre isso, não é?
— Acho que sim. E depois disso que aconteceu, eu só... — Presley respirou fundo.
— Vocês se conhecem há uma semana.
— Ah, Lia, não é por ela. Você acha que uma mulher dessas ficaria comigo? Somos de mundos completamente diferentes. Ela é linda, uma gostosa, é maravilhosa com a Aika, que é louca por ela inclusive, não para de falar nela, mas não é sobre nada disso. É sobre mim, sobre o que eu quero. Se quero construir uma vida diferente dessa de agora, eu tenho que me mover. Talvez a Hanni tenha aparecido apenas para fazer eu me mover.
Aliana olhava para sua amiga.
— Impostora.
— O quê? Você também?!
— Como assim eu também?
— Me chamando de impostora! Fui chamada assim lá na embaixada depois das fotos que saíram no perfil da Diesel.
— Você saiu no perfil da Diesel?! — Aliana pegou seu próprio celular, pesquisou, achou, clicou nas fotos — Presley, olha essas fotos! Olha como você ficou linda! Você parece outra modelo ao lado dela, e é disso que estou falando — Mostrou uma das fotos para ela — Essa aqui é você, não essa impostora que enterrou a própria autoestima a sete palmos abaixo do chão. Que você me diga que está se separando pensando em você, ótimo, mas que não existe chance com ela?
— Hanni não está falando comigo. Quero dizer, eu esqueci o celular na casa dela. Então ela foi na embaixada devolver, mas não nos encontramos. Ela deixou biscoitos, um bilhete e um presente, o perfume que uso, a fragrância certinha.
— E fez esse post aqui? — Aliana mostrou, agora estava no perfil de Hanni — Pres, não diga que não foi nada.
— Eu nem consigo dizer que foi nada. Só não parece... algo. Ela me trata como amiga. Descobri que ela é esse tipo de amiga.
— Então, eu posso ser amiga dela também?
Presley a olhou feio.
— Sai do perfil dela, vamos! — Disse, a fazendo rir — Lia, o que vou fazer?
— Por hora? Tentar acalmar a sua mente e compreender os seus sentimentos, cada um deles. Nada de bom nunca veio de Presley, o terremoto humano. Você sempre precisou se acalmar, para então se decifrar, se entender. Você é um poema acróstico, Presley, não deve ser lida só numa direção, sempre foi assim — Daí, houve um silêncio entre elas. Aliana se recostou na cadeira, parecendo lembrar de algo, cruzou os braços — Estou me sentindo traída.
— O quê?
— Eu era a única garota que você tinha beijado, e agora você tem outra.
Presley riu.
— Foi só um selinho.
— Selinho?
— Sim, Lia, um selinho, não foi?
— Presley, eu não acredito que, além de me trair, você esqueceu?!
E agora Presley estava confusa.
— Como assim?
— Foi um beijão! E não foi apenas um beijo, Presley, a gente ficou, se pegou naquele sofá da balada, você subiu em mim e...
— Eu...?
— Você estava bem louca, mas gostosa, aliás, um dos melhores beijos que já provei na vida! Eu nunca esqueci, porque foi incrível, mas como você nunca mais tocou muito no assunto, achei que tinha deixado pra lá por causa do Leo. Vocês começaram a ficar em seguida.
— Lia, eu realmente... — Não lembrava que tinha sido daquele jeito — Eu vou procurar.
— Como?
— Na minha mente. Vou procurar aquela noite. Eu tinha bebido bastante e, bem...
— Você bebeu no sábado?
Presley olhou para a pessoa à sua frente.
— Dois sucos de morango.
— Sim, é grave.
Presley sentia que, de fato, a situação era grave. E na quarta-feira, a agonia só aumentou.
Não, nenhuma ligação. Não podia ir para o jiu-jitsu, e Aika não aceitou bem, mas naquela noite, Presley se preocupou, porque o choro dela foi sentido, foi de partir o coração. E não, não adiantava buscar outra aula de jiu-jitsu, pois não era isso que sua menina pedia. Ela queria Hanni, queria Pipe e Mave, e Presley não fazia ideia de como resolver aquilo. Foi outra confusão, outra briga com Leo, que não entendia a relutância de Presley em levar a filha ao jiu-jitsu, e ela não tinha como explicar. Então, quando percebeu, estavam passando a madrugada em uma discussão sobre qualquer coisa que não fosse jiu-jitsu ou Hanni, qualquer coisa. Leo dormiu no sofá naquela noite, deixando Presley sozinha em uma cama absurdamente vazia.
Como seria dormir ao lado dela?
Na quinta-feira, acordou com uma ressaca mental pesada, Aika estava silenciosa e triste. Presley ainda não sabia o que fazer a respeito. Deveria ligar para Hanni? Mas ela havia dito que ligaria. E se não ligou, era porque não queria estar por perto, uma mensagem mais do que clara. Nenhuma ligação, nenhuma mensagem, nenhuma outra visita à embaixada, nada, absolutamente nada. E Presley ainda se encontrava perturbada, dividida entre choros esporádicos e ataques de tesão. Que confusão! Como sua filha podia estar bem no meio de tanta confusão?
Então, a sexta-feira chegou.
Aika acordou como um furacão, percorrendo a casa toda em busca de qualquer coisa para gastar energia. Antes das oito, Sara estava ligando. Tinham algumas emergências; ela poderia traduzir novamente em língua de sinais? Haviam demitido a intérprete anterior. Então correu com isso; não podia recusar, não com seus atrasos constantes e as futuras necessidades de falta que sabia que teria. Traduziu de alguma maneira, de alguma forma, enquanto sua filha passava pela casa como La Niña passava pelo clima do mundo. Conseguiu entregar, mas quando saiu do escritório, Aika havia achado tinta escolar e feito uma pintura surrealista em uma das paredes da sua sala. Por sorte, conhecia a filha que tinha e jamais compraria tintas que não saíssem com água. Tentou limpar, a colocou no banho, correu com o almoço, mas chegou atrasada na escola, onde Aika não queria entrar.
"Meninos chatos."
— Eles continuam sendo maldosos com você? — Sinalizou para ela.
"Maldosos."
Presley respirou fundo. Não havia tido tempo de falar com a diretora ainda.
— Filha, ajuda se você ficar com o seu quimono?
Ela disse que sim, sorrindo.
"Hanni, quando ver?" Frase puramente coreana. Presley respondeu em coreano.
— Logo, eu prometo — Não sabia como cumpriria, mas um problema de cada vez.
Correu para a embaixada, atrasada, e chegou no meio de um pandemônio: precisavam dela em alguns documentos que tinham que estar prontos em minutos. O embaixador precisava falar, havia alguma crise que não compreendeu muito bem e foi descobrindo enquanto lia os documentos e traduzia. Política pura, uma tensão entre o governo sul-coreano e o governo neozelandês. Os sul-coreanos sabem causar tensões como ninguém. Presley sequer chegou na sua mesa naquela tarde, ficou na coletiva de imprensa, fazendo traduções de uma língua para outra, vestindo jeans e uma blusa manga-longa de gola alta, preta como o terninho italiano que usava por cima, muito elegante. Com os cabelos presos num coque baixo e saltos altos, ingressou numa call com representantes do governo da província de Auckland, o lar da maioria dos kowis do país, traduzindo uma coisa e outra quando necessário. Quando se deu conta, já eram cinco da tarde. Aika sairia em meia hora, e Presley não sentia que sairia dali tão cedo.
— Presley, você vai entrar ao vivo, o embaixador vai falar — Sua chefe foi levada para o outro lado do auditório.
— Ao vivo?
— Traduzindo em sinais, eu só tenho você, tudo bem?
Presley respirou fundo.
— Tenho cinco minutinhos? Eu só preciso avisar o meu marido para buscar a minha filha no colégio.
— Claro, claro que sim, temos vinte minutos.
Presley começou a ligar para Leo. Ele levou quatro chamadas para atender e, quando disse que precisava buscar Aika, Leo apenas respondeu que estava ocupado também, que não tinha como sair assim. Presley nem sabia por que ainda ligava. Claro que discutiram, e então ela desligou na cara dele, não adiantaria nada.
Depois, começou a pensar em quem mais poderia ligar. Seu pai estava trabalhando, sua mãe não dirigia. Ligou para Aliana, mas ela estava do outro lado da cidade. Presley começou a ficar nervosa. O tempo estava passando; já eram quase 17h20, e Aika sairia em 10 minutos. E em 10 minutos, estaria ao vivo com o embaixador. Ela começou a ficar ainda mais nervosa, a respiração acelerando no peito, e só sentiu o choro crescendo, prestes a surgir. Nesse momento, seu celular tocou de repente.
Seu coração meio que parou no peito.
Park Manu 🥵.
Atendeu.
— Hanni?
— Oi, ei! Desculpa, você está ocupada? Não sei se calculei certo o horário da sua saída do trabalho.
Presley começou a chorar. E, claro que, imediatamente, Hanni percebeu.
— Pres, ei, o que foi? O que está acontecendo?
Presley começou a falar como se não pudesse segurar.
— Não é nada grave, mas é que estou no meio de um problema aqui no trabalho e não vou conseguir sair para buscar a Aika. Daí liguei para o Leo, mas ele também está no meio de algo que não consegue sair. Eu não sei que horas sairei daqui, e não gosto de deixar a Aika esperando muito na escola. Às vezes, algumas crianças são maldosas com ela e...
— Vou buscá-la — Ela disse, imediatamente — Quero dizer, se você concordar, eu posso ir buscá-la. Estou morrendo de saudades dela.
— Você... pode?
— Estou indo buscar a Pipe na aula de dança; posso pegar a Aika também. E depois, vou te buscar, ok?
Presley parou de chorar.
— Me... buscar?
— Você não pode dirigir nervosa assim, estou te sentindo daqui, Pres. Vou te buscar também quando você sair, então vamos tomar um sorvete com as crianças. O que você acha?
Achava que tinha derretido antes dos sorvetes.
— Presley, você está pronta? — Sua chefe perguntou.
Precisou de mais dois minutos, um para mandar o endereço da escola para Hanni e outro para avisar à escola de Aika quem iria buscá-la.
Levou mais uma hora para terminar o seu trabalho do dia, sendo meia hora dedicada à fala do embaixador e mais meia hora para resolver outros documentos. Finalmente, o dia de crise havia chegado ao seu fim, pelo menos em partes. Avisou a Hanni que estava saindo, e ela respondeu com uma foto: estava com as meninas num parquinho. E Hanni estava... Linda! Toda de preto, com uma calça de ioga larga e despojada, camiseta justinha e sem mangas, e um boné sobre os cabelos. Em cinco minutinhos, estava estacionando. As meninas ficaram no carro, brincando, e dava para ouvir as risadas de longe. Quando Presley a viu vindo na sua direção...
Só andou até ela, sem pensar muito, caminhando firmemente e acelerando os passos. Hanni a abraçou imediatamente, enquanto Presley enterrava o rosto no peito dela. Sentiu aqueles braços cruzando sua cintura, proporcionando um lugar seguro, mantendo o seu corpo muito, mas muito junto dela.
Hanni a abraçou dessa maneira, então beijou a testa dela, prolongando aquele toque com carinho e delicadeza.
— Desculpa, Hanni, é que…
— Ei, está tudo bem, tudo bem mesmo. As crianças estão no carro, felizes de estarem juntas, e eu estou aqui com você — Ela disse, tocando a nuca de Presley e encostando a testa na dela. Presley olhava para baixo, claramente constrangida.
— Você deve estar pensando que sou uma descontrolada.
— Claro que não. Você é a Presley que conheço, só está cansada, drenada. Deu para perceber só de ouvir a sua voz. Mas estou aqui e vou cuidar de você. Você pode deixar o seu carro aqui? Eu te levo para casa e te busco amanhã, te deixo aqui novamente para pegar o carro. Você pode?
Presley tentou se conter, mas quando ergueu os olhos para ela... Só chorou novamente.
— Babe, por favor, você está me assustando — Hanni estava claramente preocupada.
— O que estamos fazendo, honi? — Devia ter sido "Hanni", mas o nome dela adoçou na sua boca. Hanni, honey, honi. Tinha adoçado naquela noite também.
Hanni a puxou novamente para perto, buscando os olhos dela e cruzando os braços em torno de sua cintura.
— Eu não sei, mas estou aqui e vou te levar para casa.
Presley enterrou o rosto no peito dela. Coco Mademoiselle.
— Você me prometeu sorvete.
Hanni riu, quebrando a tensão.
— Ok, sorvete primeiro.
Notas da Editora: Ana Reis
Depois de uma campanha de suborno no meu WhatsApp, vocês venceram! O capítulo veio adiantado! Vocês merecem! 🙃
Então Presley fugiu, mas no final acabou não dando muito certo. Ansiosa para saber quais serão os próximos passos, pq até a cunhada está do lado dessas duas. 😊
Beijos! Voltamos dia 25/10.
E se você ainda não adquiriu Estilazo, não perca a oportunidade. Afinal, é uma história inédita de nosso site, escrita em 25 dias, com 21 capítulos, 360 páginas.
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